Por Nando da Costa Lima

Tudo foi por causa daquela maldita mania por jogo, tanto eu como o compadre éramos doentes por jogo, qualquer tipo de jogo, do bicho ao carteado era com a gente mesmo. Eu já beirando os cinquenta, solteiro e com a vida mais ou menos arrumada. O compadre já tinha quase sessenta, nove filhos dos quais batizei sete. Me arrependi de ter dado uma caderneta de poupança ao primeiro, depois disso parece que a comadre só paria praganhar caderneta! Um dia nós mandamos fazer duas fotos nossas bem grandes e apostamos que quem ficasse mais bonito não pagava nada. Eu perdi, quem fez o julgamento foi a comadre e os meninos. Esse retrato até hoje me persegue, não o meu, o dele! É uma foto do compadre feio que só ele mesmo, e com aquela cara fechada que lhe era natural. As pequenas apostas eram normais no nosso cotidiano, o que mudou tudo foi um bilhete da loteria federal.

Como eu já disse nós éramos unha e carne, tudo que acontecia com um o outro era o primeiro a saber. Um dia ele chegou em meu armazém todo diferente, eu desconfiei que tinha alguma coisa importante acontecendo e fui logo perguntando qual era o problema. Ele se abriu como se estivesse se livrando de um peso, tinha comprado um bilhete de loteria e o número tinha dado, tava lá no primeiro prêmio segundo ele! Fomos direto pra sua casa pegar o bilhete, no caminho eu já comecei a imaginar coisa ruim, fiquei ainda mais entusiasmado quando ele disse que só nós sabíamos do prêmio, só iria contar para os parentes quando estivesse com a grana na mão, nem pra mulher falou, só falou pra mim por consideração. O compadre tava cheio de pinga e passou mais de duas horas me elogiando, enquanto ele elogiava eu bolava um plano pra passar a mão naquele bilhete, tava cheio daquela vidinha, mais de dez anos marcando passo naquele fim de mundo, passava o dia vendendo pão e pinga fiado e sonhando em um dia ganhar um prêmio milionário e agora a sorte tira um fino em mim e esbarra no meu melhor amigo, que logo logo me esqueceria. É sempre assim, no início tudo bem, depois eles dão um jeito de sumir pragastar o dinheiro longe dos amigos de miséria. Esse pensamento foi fundamental pra que eu convidasse o compadre pra pegar aquele atalho que passava pelo riacho das éguas. O resto foi fácil, ele tava tão bêbado que nem sentiu a primeira pedrada, caiu pronto, só dei mais oito pra confirmar. Depois foi só procurar o bilhete nos bolsos, achei na carteira, a realização dos meus sonhos, dobradinho, não dava nem pra sentir remorso! Só pensava no prêmio, o número tava decorado “21 502”. Fui até o riacho que cortava o dito atalho, lavei o sangue que espirrou no meu rosto e corri direto pra Caixa. Pra não levantar suspeita atravessei a cidade fazendo festa, espalhei pelos quatro cantos que tinha tirado a sorte grande. Quando entrei no banco já tinha uns vintes puxa-sacos atrás de mim. Quando o responsável por prêmios lotéricos me falou às gargalhadas que aquele bilhete não tinha nada a ver com o número premiado eu quase caí de costas, pior foi a vaia que levei da saída do banco até a entrada da minha casa. Mas as coisas complicaram mesmo depois que acharam o corpo do compadre, tá certo que eu já imaginava que as suspeitas iriam cair em cima de mim, mas rico com o dinheiro do prêmio, aquilo ficaria logo pra trás, duro já ficava difícil explicar pro delegado onde estive na hora do crime. Noventa por cento da cidade suspeitava de mim, passei altos apertos! Só não fui em cana porque a comadre, cuja feiura só era superada pela safadeza, tava de olho em mim há muito tempo e jurou de pé junto que eu tinha passado a noite do crime aos pés da cama de um dos afilhados que ardia em febre. Depois disso não me restou outra opção a não ser assumir aquele “bagulho” e os nove filhos. Hoje, eu além de suportar esse “bucho” e os meninos, virei objeto de gozação na cidade, o povo notou meu eterno estado de desânimo e inventou que o finado compadre fez tudo isso de propósito, há muito tempo ele vinha pensando em se matar e não tinha coragem. Segundo o povo, ele aproveitou a minha usura e inventou aquela história de bilhete premiado. Não sei se isto é verdade ou se eu estou ficando louco com o converseiro do pessoal, mas toda hora que entro em minha casa que antes era a tranquila morada de um solteirão e hoje se vê ocupada por essa “mocreia” e seus nove capetas, eu sinto que a foto do compadre, aquela da aposta, dá uma risada que mostra até o dente de ouro.