nando da costa lima

Por Nando da Costa Lima

Corre, pessoal. Senão o tempo atropela a gente!
O jogo ia acontecer nos Doze, o titular tava quase completo, só quem não tava escalado era Zezito Lagartixa que estava suspenso por problemas etílicos. Pra Odai suspender um atleta por causa de cachaça é porque o jogador estava abusando da aguardente. Um time que na concentração consumia um garrafão de pinga… Suspender um zagueiro de confiança por causa de pinga! Nem Lagartixa tava acreditando, ele quase chorou quando o time subiu no caminhão completo, só tava faltando ele pra formar o esquadrão imbatível. Na linha de frente estavam os melhores: Zé de Ninha, Odeval e Geraldim. Todos os integrantes da equipe eram pinguços, inclusive o presidente e dono do time. Ele tinha certeza de que ia lascar com o time dos Doze. Os goleiros Nozão e Paredão estavam preocupados, só beberam rabo de galo, era mais suave! Goleiro tem que se cuidar! Era pra ser uma das melhores partidas do velho Comercial. O time e a torcida já estavam todos na carroceria do caminhão de Geso Flor. O motorista tinha acabado de virar uma meiota de pinga no gargalo só pra relaxar e pegar a estrada… Era um time difícil de escalar, ainda bem que os filhos de Seu Oliveira não gostavam muito de bola. Mesmo assim ele tinha um genro que era goleiro, e aí foi o jeito o presidente lançar o quarto goleiro pra não deixar o velho retado. Com os filhos de Seu Ioza ele não teve muito trabalho: escalou dois no aspirante e um no titular. O mais velho só sabia jogar basquete! Nesse tempo, se você tivesse de 1,75 m pra cima, era automaticamente convocado pra seleção de basquete da cidade, que treinava no Colégio Batista.
Falaram que o técnico Zé Maria ia abandonar o Conquista F.C. só pra se dedicar ao Furacão da Granja. Mas tudo não passou de boato. Um time daqueles não precisava de técnico, só tinha craque: Liu Galinha Preta, Dé Canela, Zeca Sapateiro, Nenga, Zé Catarro… pra quê técnico? Tava tudo nos conformes, dessa vez parecia que a Rua da Granja ia comemorar uma vitória. Tinha que ganhar de qualquer jeito, o último jogo foi um fracasso. Odai tava até pensando em mudar o time todo, só ia deixar quem não bebesse pinga… Só ia ficar Odeval! Foi aí que o plantel todo passou a consumir só a legítima Jurubeba Leão do Norte. Zé de Ninha tava até chutando bem mais forte depois da mudança para o melhor vinho composto do mundo. “Um néctar”, segundo Jorge Amado. Oderval, que só entrou no time porque era sobrinho de Seu Ioza, se revelou um craque. Era o “Canhoto de Ouro” do Comercial, mas a perna direita era cega pro futebol, só servia pra correr! O time e a torcida viajavam todos em cima do caminhão, só quem ia na boleia era o motorista e Odai. Foi na saída do caminhão que Bodeiro, 3º goleiro, chegou com a notícia que o “véi pai dele” tava mal (o velho, por ter um buteco, também era cartola do time). Segundo o filho, o pai já tava vendo um túnel com uma luz no fundo. Só não chamaram um padre pra encomendar o corpo porque o velho achava que era agouro.​
E foi exatamente na hora que a comitiva ia passando em frente à casa do moribundo que saiu uma mocinha falando que o pai de Bodeiro tinha acabado de entregar a alma ao criador. Ninguém chorou, mas também o velho já tava nos acréscimos do 2º tempo… Geso meteu o pé no freio do FNM, despencou uma meia dúzia de bêbados que levantaram como se nada tivesse acontecido pra Odai não notar o estado deles. Pela cara do dono do time e dos jogadores, não seria naquele dia que o Comercial espantaria a urucubaca vencendo o time dos Doze. Os atletas estavam divididos: metade queria realizar o jogo e a outra metade preferia ficar pro velório. Em velório não tinha esse negócio de ganhar jogo pra poder encher a cara… Nesse impasse, foi o jeito Odai recorrer aos dois delegados das ruas de cima e de baixo. Nem Joza nem Oliveira se davam muito bem com o defunto, acho até que foi isso que levou o presidente do time a tirar o cú da reta e jogar pra cima dos dois. Quando ele acabou de narrar o problema, perguntou: “O que os senhores acham que eu devo fazer?”. Os dois velhos responderam em coro: “Enterra logo o homem, vai que esse sacana resolve ressuscitar!”. Odai tentou argumentar: “O homem acabou de morrer, tem gente que nem tá sabendo que ele esticou”, e os dois conselheiros rebateram como se tivessem decorado a frase: “Vocês escondem o defunto debaixo da cama, vão lá, ganham o jogo e na volta a gente prepara o ‘Velório da Vitória’ e bebe o bar do finado todo“.
​Ninguém quis levar o conselho dos “delegados” da Granja a sério, os velhos estavam de mau humor. E também, todos tinham uma ligação com o defunto. Ele merecia um dia de luto. Era melhor perder o jogo por W.O. do que leva uma equipe chocada com a morte de um de seus patronos. Ia perder de qualquer jeito! E assim o velho Comercial perdeu mais uma chance de se redimir com a torcida e mostrar aos invejosos que só torcem contra que o time ainda tava respirando, e que o nome do clube era COMERCIAL FUTEBOL CLUBE, e não COMERCIAL FUTEBOL & CACHAÇA. Invenção da mulherada que não gostava de jogo! Nossos atletas só bebiam por esporte. Não tem gente que fala que só bebe socialmente?..
​E o pessoal acabou ficando na Granja pra velar o corpo do patrono do timaço e dono do buteco mais sortido da rua, tinha pra mais de 30 tipos de temperadas. A cachaça rolou solta. Teve até briga, mas depois foi só alegria… Só Lagartixa não bebeu nada no velório, parecia que tava adivinhando que o Comercial de Odai nunca mais entraria em campo.
Nando da Costa Lima