Edvaldo

Por Edvaldo Paulo de Araújo

Milan Kundera, escritor tcheco, escreveu, em seu último livro “A identidade”, que a amizade é indispensável para o bom funcionamento da memória e para a integridade do próprio eu. Chama os amigos de testemunha do passado, diz que eles são nosso espelho,  e que, através deles, podemos nos olhar.

Vai além: diz que toda amizade é uma aliança contra  a adversidade, aliança sem a qual o ser humano ficaria desarmado contra seus inimigos. Amigos recentes custam a perceber essa aliança, não valorizam ainda o que está sendo construído. São amizades não testadas pelo tempo, não se sabe se enfrentarão com solidez as tempestades ou se serão varridos numa chuva de verão.

Num papo descontraído com um amigo, o Tenente Coronel Ivanildo da honrosa Polícia Militar, lotado no comando de Vitória da Conquista-Bahia, ele narrava a sua história, em que falava de ensinamentos e atitudes proativas do seu saudoso pai, o Senhor Joaquim Pedro da Silva (Cícero) soldado da Policia Militar da Bahia. Fatos e ensinamentos de uma relação assim vão além do que se possa imaginar, não apenas na memória, mas na alma, na forma de se comportar e proceder pelo caminho da vida de um filho dedicado e honrado. Esses ensinamentos são tão arraigados em seu espírito, que  se instalam absolutos no seu estado de consciência. O meu amigo Ivonildo é uma testemunha viva do bom homem que fora seu pai, transmite com orgulho a historia dele, com alguns  causos como o querido escritor Ariano Suassuna. Disse-me que seria registrado com o nome de Cícero, mas o tabelião lá em Aurora – Ceará, na época, rejeitou dizendo que esse nome era só do Padrinho Padre Cícero, fazendo com que o registrasse com outro nome.

Apesar de não constar no registro, adotou o nome de Cícero para a sua vida de luta. O Coronel Ivonildo é real testemunha de um passado diferenciado e totalmente voltado para o bem, com testemunhos e exemplos que  levará para suas duas filhas e elas para seus filhos, netos do meu amigo.

Sempre em rodas familiares onde se conversa frutiferamente, aparecem sempre lembranças daqueles que se foram para o outro lado da vida.Na minha família, sempre fazemos isso e cada uma fala das suas lembranças de nossos velhos, suas atitudes, seus ensinamentos, seus modos engraçados, seus jeitos de ser e, muitas vezes, choramos de emoção e eternamente seremos testemunhas de um passado de luz de nossos velhos. Mantemos sempre essa ligação de amor pelo espaço da divindade espiritual, como forma de mantê-los vivos no nosso meio de maneira natural e no apelo da saudade, pelo gesto sublime do amor.

Somos, na vida, sempre testemunhas. Testemunhas de nossa família, de nossos amigos, de nossas comunidades e dos acontecimentos diários de nossas vidas. Porém o mais importante é o testemunho dos nossos grandes amigos. Por isso é importante sermos pessoas ativas para o bem, para o testemunho, sermos absolutos na bondade, no servir, no amparar, no ajudar, na compaixão diária da compreensão, na verdade dita sempre sem rodeios.

Há alguns dias, estava na igreja no batizado de minha neta Maria Rita e um fato me emocionou. Uma moça se dirigiu a mim, cumprimentando-me com determinada alegria e dizendo do prazer de me ter ali na sua igreja e na comunidade. Lembrei da sua fisionomia , mas não lembrei do nome e nem de onde a conhecia. Ao sair da missa, a vi em pé com dois jovens adolescentes, que me disseram ser seus filhos: um rapaz e uma mocinha, que ela fez questão de me apresentar, dizendo assim para o rapaz: “esse é o Sr.Edvaldo que, um dia, salvou sua vida”. Surpreso perguntei como. Ela me disse que dei dinheiro para a consulta e que eu havia pago todas as despesas do internamento no hospital. Emocionei-me por não me lembrar disso, mas fiquei feliz, muito feliz por um dia servir aquela senhora e por ela ser uma testemunha de um ato bom da minha pessoa. Onde ela estiver será uma das testemunhas do meu gesto que faz parte da minha vida aqui na terra.

Buscar viver com dignidade, sendo bom cidadão, crente em Deus, agir sempre com bondade, buscar sempre ajudar os irmãos, ser ativo no empenho para o melhor  a sua família e sua gente é um bom caminho para ser lembrado como uma pessoa do bem. Portanto, encher o seu caminho de testemunhas a seu favor, a favor de energias boas que o seu espírito atrairá. Pessoas assim são sempre bem-vindas nos meios das pessoas do bem.

Viva sua vida deixando flores pelo caminho, pois, se um dia precisar voltar, não temerá.

Aos amigos seja sempre o melhor, faça sempre o que gostaria que fizesse por si.

Um amigo é sempre companheiro nas lembranças, nas crises de choro, nas experiências e participa de nossas culpas e segredos.

Um amigo não apenas empresta algo, num momento de necessidade, empresta a palavra, o ombro, o tempo, o calor e a jaqueta. Não recomenda apenas uma música, recomenda cautela, recomenda um emprego e recomenda cuidados.

Um amigo não apenas nos dá uma carona. Leva-nos pro mundo dele e topa conhecer o seu. Um amigo não segura apenas a barra em momentos difíceis, mas segura sua mão, a ausência, segura a confissão, segura o tombo, o palavrão, segura o elevador da vida. Duas dúzias de amigos assim ninguém tem.Que cuidemos uns dos outros, cada vez mais e sempre.

 “OS AMIGOS É A FORMA DE DEUS CUIDAR DE NÓS”. Não conheço o autor, mas é símbolo em minha vida, esta profunda frase.

O nosso poeta, o imortal Vinicius de Moraes, no seu poema  “Amigos”, nos emociona, nos eleva e mostra a importância da dádiva de ter amigos.Todo o poema é lindo, mas uma frase me emociona por demais: “Que morram todos os meus amores, mas que nunca me faltem os meus amigos”

Ser amigo é construir uma história com alguém e que, quando acontecer um ato ruim, lembrar que temos uma história juntos e que nada nos fará separar essa sublime amizade.  Amigos não têm conta corrente, diz sempre meu amigo Walter Fernandez.

E que nunca me falte a bondade para com eles; que nunca me falte a compreensão e o espírito da compaixão  e que sejamos sempre as testemunhas de um  passado glorioso e que, enquanto vivermos, iremos referendar esse legado de amor.