Abelhas procuram flores
* Por Valdir Barbosa
Quando, nos idos setenta e cinco fui indicado para assumir minha primeira delegacia, fato que ocorreu em Itapetinga no alvorecer do ano seguinte, jamais poderia supor seriam os caminhos difíceis da carreira que abracei com sofreguidão, desde o início, pontes capazes de me fazer realizado e, sobretudo, percorrer trilhas deveras cintilantes.
Sim, porque como digo ultimamente pude plantar desde então, principalmente na serrana Vitória da Conquista, aonde cheguei naquele tempo, antes mesmo de aportar na terra que foi a rainha da pecuária baiana, amores e amigos. Os especialíssimos frutos desta semeadura, filhos e cúmplices, posto verdadeiros amigos, nada mais representam senão parceiros do bem, me têm ofertado momentos de emoção indescritíveis.
Confesso, quando engatinhava no mister que me tornou um caçador de infratores, atividade pela qual conheci os quatro cantos deste imenso país, bem como outras plagas fora de nossas fronteiras, buscando conhecimento, ou laborando na atividade fim, seria imponderável crer que se transformariam os episódios vividos, em obra que escrevi.
Inimaginável crer que Saques e Tiros na Noite – Sonhos, Estórias e Histórias de um Homem de Polícia – teria o condão de reconduzir este calejado investigador, tal qual raposa velha que perde o pelo, perde os dentes, mas não perde o faro, aos palcos em que os dramas ocorreram, sem riscos nem dor, mas, tão somente, no dorso do corcel alado chamado emoção.
Depois, mudando a biruta, ao invés de redigir novo elenco de memórias consegui grafar um romance – Surfando em Pipelines – e assisti serem publicadas, também, diversas crônicas que irão compor Divagares Ligeiros, justo a compilação destas divagações. Enfim, passei a rabiscar versos que têm sido iluminados, não pela inspiração deste poeta, mas pelas obras do fenomenal Ed Ribeiro, consagrado artista plástico baiano cujos quadros empresta, para ilustrar os sonetos do que virá a ser, Poemas Iluminados.
Todas estas nuances vindas num crescendo fazem com que este Homem de Polícia creia no caráter transcendente da existência, assim como na belíssima dinâmica da vida que a faz ser tão fascinante. E é justo sobre mais um feixe de emoções que estas linhas pretendem considerar.
A convite do jovem e talentoso Beto Magno aporto ontem na estação que renovada trará o nome de um dos seus maiores inspiradores, Glauber Rocha. Cineasta, publicitário, conhecedor e amante das artes em geral, Beto reúne uma plêiade de notáveis, para lançar seu novo empreendimento e estou entre os convidados. Induvidosamente, a VM produções elevará sobremaneira o nome desta terra de tantos luminares, na musica, no cinema, na literatura, na escultura, na arte em geral, nos esportes, na política, destarte, sou privilegiado por participar do evento.
De saída, o ambiente escolhido para a solenidade abriga energia de elevada magnitude. A fazenda Vidigal, de nossa cidadã conquistense e baiana, Valéria, cujas pinturas encantam, e do esposo Giano Brito, palco onde a pedra fundamental da VM produções foi fincada dispensa comentários. Por seu turno, quaisquer adjetivos serão incapazes de descrever as virtudes incomensuráveis do casal anfitrião.
Apesar de amalgamados, na liga de um amor que brilha ao entorno de ambos revelando o geminar das suas almas, cada um deles tem, todavia, papel definido no exercício das responsabilidades profissionais, pessoais e sociais que desempenham, dentro da família e da comunidade onde pontuam. Mas, e acima de tudo, na medida em que entendo serem duas as razões que diferenciam os mortais de seus pares – inteligência e sensibilidade -, por certo, Giano e Valéria estão bem acima da média, nestes quesitos fundamentais.
A diferença no particular é que nele, reservado por natureza, reside a fonte onde ela, personalidade intensa busca o combustível que queima na sua permanente arte de entrega. Como exemplo há de referir, suas férias serão oportunidade de trabalho para levar a jovens desta terra, o milagre da transformação que apenas pode ser alcançado, nas profundas águas da cultura.
Naquele sítio encantado, depois de abraçar os donos da casa pude rever velhos conhecidos e reencontrar, decerto, figuras de um passado imemorial a quem deveria rever neste plano do agora. Enquanto cumprimentava Armenio, Cassiano, Garcez, o grande escultor Allan de Kard, retratista local, J.D. de Ameida, levado a todos eles pelos sentidos elétricos de Beto, ladeado por João Luis e Vitória Magno, seus lindos filhos – mote da VM – revi alguém a quem não encontrava há anos, Luciano, amigo de meu querido irmão Valnei que voltou ao etéreo e matamos saudades. Justo sua esposa, D. Fátima cuidava de ofertar aos chegados, cadinhos magníficos, petiscos oriundos da Delícia da Nina e cachaça artesanal alambicada em Iguaí.
Enquanto o profissional local e diretores de fotografia para o cinema, Xeno Veloso e Inácio Teixeira interagiam comigo através suas conversas retinas e lentes, fui ao encontro do consagrado Lázaro Faria, publicitário e cineasta. Finalmente encarei a fera, Zelito Viana e sua esposa Vera de Paula, ele aplaudido produtor e roteirista brasileiro, pai do ator Marcos Palmeira, também produtor de alimentos orgânicos em Itororó, na fazenda Cabana da Ponte fundada por Sinval Palmeira, exponencial personalidade que pude conhecer, exatamente quando fiz meu “avant premiere” como Delegado naquelas paragens, com eles, o dramaturgo Sergio Ramos, nascido na cidade da carne do sol mais famosa do Brasil.
Após a abertura, todos os presentes foram brindados com o curta Hellow Boy, lançado por Beto e pela maravilhosa película dirigida por mestre Zelito Miranda e Gabriela Gastal, sob os auspícios da Mapa Filmes. Neste momento invadiram a sala de projeção sem pedir licença – e não deveriam -, além do motivo inspirador da obra, Ferreira Goullart, Marcos Nanini, Adriana Calcanhoto, Laila Garin e Paulinho da Viola. Inebriados pela beleza do tributo ao grande e imortal artista maranhense, não restaram dúvidas acerca da máxima que intitula o filme: A ARTE EXISTE PORQUE A VIDA NÃO BASTA.
Enquanto degustava o jantar supimpa, feito com esmero pela chef Cris Luna, ao som de musica leve aos acordes de Lazinho Ferraz e da voz de jovem e excepcional cantora, Valéria lembrou episódio inusitado ocorrido quase dezoito anos atrás. Recordou que nossas famílias se encontravam, por casualidade, numa pousada às margens da barragem de Anagé, quando houve atitude tanto neurótica, própria dos profissionais de polícia, sempre que expostos a momentos de perigo. Abelha impertinente picou seu lábio, enquanto sorvia refrigerante e tendo gritado frente a dor provocou reação incontinenti deste oficial de segurança, postado próximo à mesa onde estava. Viajamos no tempo, rimos outra vez, sua filha, na época criança acompanhou o momento hilário e viajei no trem bala do pensamento até a cama de meu João, em Salvador. Assim, como a jovem estava ele ainda infante, naquele cenário recordado.
Despedi-me de todos e voltei para a pousada onde me abrigo e agora escrevo estas linhas. Quando subi a serra imaginei, quanta felicidade para Conquista receber empreendimento do porte da VM Produções, bem como será exitosa e cheia de sucesso, a nova jornada que Beto enceta.
Ao deitar pensei numa verdade e faço-a transmitida para Giano, Valéria, seus filhos e todos que lhes amam. ABELHAS PROCURAM FLORES.
Hoje, nos revimos, ao eflúvio dos vinhos na adega, Box 111 e no sabor supimpa das iguarias feitas pelo chef Jack, estrela do Bistrô.
Afinal, o que é bom acontece muitas vezes.
Sempre ótimos textos de Valdir Barbosa.
Abelham sempre procuram flores de preferência as mais perto.