nando da costa lima

Por Nando da Costa Lima

Quando o vento soprava nos flamboyants que rodeavam o casarão ecoava em nossos quartos um som quase que cadenciado, uma música que marcava uma época… A alegria em nossas almas de menino, sabíamos que aquela harmonia trazida pelo vento anunciava que era junho e que as fogueiras seriam armadas, que o licor de jenipapo estaria exalando seu cheiro tão peculiar por toda a casa, junto as pamonhas, canjicas e todo tipo de quitute que enfeitava a mesa do São João. Hoje quando lembro daquele vento aromatizando pelas árvores que invadia a casa de dona Maria, me arrepio mesmo não estando com frio, acho que o menino foi demolido junto com o casarão… Ainda sinto o cheiro adocicado do licor e a presença de todos que rodeavam aquela mesa e se aqueciam naquela imensa fogueira. Sinto saudade de tudo, fico triste e meu pensamento corre pra Rua da Granja, era pra lá que eu ia depois do primeiro tempo da festa na casa de meus pais… A Rua da Granja lembrava um quadro de Portinari, fogueiras, bandeirolas, ramos enfeitados com laranjas e prendas, pau de sebo. A meninada toda vestida a caráter para dançar a quadrilha ensaiada semanas antes. A gente achava que aquele momento não ia ter fim. Era lindo ver uma fogueira ser acesa, o coração parecia que ia sair pela boca, era o pontapé inicial da festança que romperia a noite. Sanfonas, bebidas, bêbados, foguetes, balões e espadas. Aquilo iluminava ainda mais a alma do menino que naquela noite não sabia o que era tristeza… Na minha cabeça São João era um santo tão bom que passava pela casa de todo mundo. Era melhor que as matinês dos cines Glória, Ritz e o circo Tiane juntos. A fumaça ardia nos olhos, mas o choro era de felicidade. Todo mundo tem uma rua mágica que marcou sua infância, a Rua da Granja era meu céu particular. Hoje quando viajo ao passado, só pouso ali… E o meu pensamento retira o asfalto, o barulho do progresso e tudo que foi engolido pelo tempo volta. Hoje quando é São João e passo por aquela rua já sem fogueiras nem bandeirolas ainda sinto o cheiro do milho assado, do amendoim torrado, da infância… O sanfoneiro tempo fez a gente ficar velho… E o forró do destino, cheio de armadilhas, deixou tanta gente pra trás que na mesa farta sobrou quase tudo, só não alegria. E esse vento frio continua soprando as festanças do passado…Na madrugada do ano passado, enquanto passava em frente ao antigo casarão onde morei, cheguei a abrir o vidro do carro pra gritar: “São João passou por aí?”, mas nem gente eu vi… Nem fogueira, nem biscoitos, nem canjica, nem o casarão estava mais lá. Fiquei tão distraído que deixei o carro ir para o meio da pista, só despertei com o grito do motorista no qual eu quase bati: “Vai aprender a dirigir, filho da puta, tá na hora de velho dormir”. E eu fui.