nando da costa limaEsta e uma história de amor. Aconteceu num desses lugares que nada passa em branco. Romero era da família Pranchão e Ju­liana era dos Remoso, inimigos desde 30. Tinha mais de cinquenta anos que brigavam por causa de um bode, é que na revolução de 30 as famílias Pranchão e Remoso ainda eram amigas. Mas depois que aquele boato, inventado pelo velho Pranchão, fez o patriarca dos Remoso matar um bode pra receber o presidente Getúlio que ia passar por lá. Nunca mais se falaram. O velho Remoso esperou o Presidente de onze da manhã até meia noite, quando viu que tudo não passava de armação mandou enterrar o bode (um bode preparado pra um pre­sidente não podia ser consumido por gente comum). Isto só fez piorar a situação: os Pranchão falaram que se ele enterrou o bode era porque tava envenenado. Desse dia em diante um Pranchão só encostava num Remoso pra brigar. E o amor de Romero e Juliana, apesar de já um pouco sambados pelo tempo, reativou a rusga anti­ga. Os Pranchão já estavam relembrando a velha história do bode preparado pra matar Getúlio. A família dele não queria nem sa­ber de filho casando com descendente de envenenador de Presi­dente. Já a família de Juliana preferia vê-la morta a se casar com aquele safado dos Remoso. Tudo isto acontecendo no cená­rio mais miserável possível, esqueciam até a fome pra brigar. Aquilo parecia que era a forma de relembrar os tempos de fartura vividos por seus avós, era como um paliativo pra sobreviver. E numa época que ainda não tinha televisão era natural que não só os parentes mas toda cidade se intrometesse e desse palpites sobre o destino do amor de Romero e Juliana. A marcação era tamanha que os apaixonados se muito fizeram foi trocar um beijo, esta perseguição só fazia aumentar a paixão do casal, um amor quase platônico. Enquanto isso, todo dia rolava um pau entre os parentes. Era a diversão da cidade. A coisa ficou tão teia que foi o jeito o Padre interferir, aquilo não podia continuar, ia acabar “fedendo defunto”. A primeira ideia foi convencer as famí­lias de permitirem o casamento, mas aí não houve acordo. E o vi­gário quase cai no pau pela ideia. Nenhuma das famílias queria seus filhos casados com bandido. Depois de várias reuniões chegaram a uma conclusão: a prefeitura financiava a ida de Romero pra “Som-paulo” e Juliana ficava. Ficou decidido que Romero partiria o mais breve possível, tava chegando a época da fogueira e se aquele ro­mance continuasse o S. João ia ser uma guerra. Ainda bem que tu­do tava resolvido.

Foi num dia de meio de semana que a cidade toda se reuniu pra ver a partida de Romero, até a Juliana foi permitido que desse o último adeus ao amor que partia. E graças a essa permissão, conseguida pelo padre, aconteceu uma das provas de amor mais comentadas do sertão, foi quando Romero olhou pra Julia­na com aquele olho de peixe morto, franziu a testa e falou fazendo bico de choro; quase sussurrando – Eu gostaria de levar este seu sorriso pra me aquecer no frio de “Sompaulo” – Ele queria uma foto do amor sorrindo, não esperava aquela resposta tão imedia­ta… quando ele terminou de fazer o pedido, Juliana meteu a mão na boca, tirou a dentadura superior (completa), enrolou num lenço e deu pro amor que partia. Romero se emocionou tanto com a atitude de Juliana, que fez o mesmo, fez até melhor. Tirou as duas (inferior e superior) e entregou pra Juliana, ficaram ambos de boca murcha; mas cheios de amor! Todo mundo que tava na despedida se emocionou.E desse dia em diante até quem tinha os dentes perfeitos mandou arrancar e botar chapa, todos sonhavam em um dia poder repetir o feito de Romero e Juliana. Teve até um dentista que comprou um “Decavê” novinho com o dinheiro das dentadu­ras encomendadas na época em que o casal romântico lançou a onda de “trocar o sorriso” antes de viajar.

Por NANDO DA COSTA LIMA