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julho 2023
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Eterna e querida Escola Normal, aonde está você?

Era uma escola sem muros. O cheiro de mato circulava entre os três blocos de salas de aula, penetrava no auditório, no galpão das aulas de educação física, na sala de ciência, no salão do grêmio. A cantina oferecia o melhor refresco de maracujá e a mais deliciosa banana-real. O sino, alto e irritante, anunciava o início ou fim das aulas. A escola funcionava em três turnos: pela manhã havia o curso Pedagógico, aulas de educação física e uma pequenina turma de jardim de infância, à tarde o curso Científico, à noite o curso Técnico de Contabilidade e o curso Ginasial em todos os turnos.

Seu Juca, o zelador, no alto dos seus setenta anos, circulava pelos corredores com acompanhado do barulho das dezenas de chaves que carregava. Sua simpatia, seus passos curtos e seu chapéu surrado e sua voz baixa e carinhosa, tal e qual São Pedro, nunca serão esquecidos. As “sessoras”, ou inspetoras, enxergavam tudo: o sapato marrom, a meia colorida, a falta do escudo com as iniciais da instituição, a saia curta, o excesso de maquiagem ou os afagos dos namorados nas extremidades dos blocos. A pior de todas era a Nice, implicante, severa, ameaçadora, talvez por  ser uma balzaqueana. Mas a D. Inês era mais compreensiva entre as demais.

Mas bom mesmo era o caminhar na  Rua Siqueira Campos, tanto na ida como na volta para a escola. As garotas, ao saírem de casa dobravam o cós da saia deixando-a bem curta e pernas à mostra para o deleite dos garotos. Todos andavam sorridentes, falantes, trocando confidências e olhares furtivos. Rua de puro encantamento. Muitos namoros nasciam e morriam naquelas calçadas. A rua parecia longa, ancha, interminável, com o doce cheiro da juventude. O engraçado que a preferência era a calçada à esquerda em direção à escola. Mais ou menos no meio da rua havia uma tendinha bem simples onde se vendia biscoitos, balas, bananas. Manoel, Ivo e eu sempre perturbávamos a dona perguntando se “tem picolé de cachaça”, “café branco” ou “quanto é uma banana de cinco cruzeiros”. A dona se irritava e os moleques corriam sorrindo. Certo dia a senhora esperou e quando viu os garotos se aproximando, correu  e jogou a borra de café, mas eles se desviaram e quatro  garotas que  estavam no caminho receberam nas camisas, impecavelmente brancas, um banho de borra de café. Choro, gritos, pedidos de desculpas, brigas e risadas dos moleques correndo pela rua. Nos braços, as meninas carregavam cadernos cujas capas estavam estampadas fotos dos galãs de cinema: Rock Hudson, Charlton Heston, Tony Curtis, Alain Delon, Giuliano Gemma entre outros. Algumas exibiam livro de Psicologia ou de Pedagogia para se mostrarem intelectualizadas. E alguns meninos do Científico, exibiam garbosos, livros de Química Orgânica ou de Física. A rua tinha cara de felicidade, de hormônios em ebulição, de cheiro de alegria. Uma figura que sempre estava no caminho dos estudantes era Lilita, com seus dedos cheios de anéis, suas pulseiras e com o corpo escondido em várias camadas de cobertores. Certa tarde houve uma gritaria, correria, risos e gritos: era o maluquinho Cafezinho, sujo, barbudo, com um copo na mão, que havia abaixado as calças para as estudantes. O maior movimento era antes e depois das aulas, mas nos dias em que os cinemas exibiam filmes de Elvis Presley, o movimento era antecipado para antes da matinée. Quando os filmes dos Beatles, “Os reis  do iê-iê-iê” e “Help”,  foram exibidos no Cine Conquista, a freqüência nas aulas foi pequena, mas muito grande no cinema. E todos, ou quase todos, após o trilharem a Rua Siqueira Campos seguiam para comer o acarajé da Conceição na Praça 9 de Novembro. Inesquecível o acarajé e o sorriso da baiana.

O nome é Instituto de Educação Euclides Dantas, mas sempre foi conhecida com o apelido de Escola Normal. Era tempo da ditadura militar, mas não tinha a chatice da ditadura do “politicamente correto” de hoje e comumente alguns professores tinham inocentes apelidos, sem a intenção de constranger ou desrespeitá-los. Uma professora de História usava muita maquiagem e era chamada de “Tecnicolor”; uma professora de Português era a “Fera da Penha”, por se parecer com assassina de uma garotinha no Rio de Janeiro; um professor tentou suicídio ingerindo inseticida e ficou conhecido como “Detefon”; uma vice-diretora era a “irmã da noite”; um professor de Matemática, gordinho, era o “Barrão”; certo advogado, baixinho, que dava aula de francês era “toco de amarrar jegue”; uma linda professorinha de português era “Miss Brasil” e uma rigorosa professora de Educação Física era a “Totó”.

Mas também existiam alguns mestres que eram tratados com veneração, admiração, contemplação, respeito e carinho como a professora de francês “Tia” Nana,  D. Zefinha;  Dr. Uady Bulus, Dra. Lia Rocha, D. Ione, Clovis Flores, Antonio Nery, D. Nair (certa vez, do lado de fora da sala de aula, o capeta Luiz, que estava suspenso, gritou: “D. Nair, velha bêbada”. A mestra, ao ouvir, chorou e falou à classe: “Mentira, meus meninos, na minha casa não tem nem licor”); e que falar do Professor Everardo Públio de Castro, educador em toda sua plenitude, que foi preso e proibido de lecionar para curso ginasial pelo governo militar, e outros momentaneamente esquecidos. Mas também alguns professores aterrorizavam os alunos, pelo rigor como a professora Lili (Matemática), Maria Eugênia (Português, belíssima), Iolando (Inglês) e Zuleika (Francês), sem falar no diretor Artur Seixas, com seu mau humor e sem nunca mostrar um sorriso.  Assim como alguns mestres eram umas “figuras” como o Padre Faíla, natural da Itália, professor de Latim, que quando ficava nervoso misturava  português, italiano e latim. E quantas vezes o Dr. Orlando Leite pronunciava a palavra “perceberam” durante a aula? E Lindiomar, professora de Geografia, que jogava o limpador de quadro-negro na parede? E a professora de ginástica, gostosíssima, que ao sair do fusquinha fazia questão de deixar as pernas à mostra para a loucura dos meninos que ficavam esperando aquele momento. E na aula de Geografia quando o Jorge Palmeira falava as primeiras sílabas da palavra e a turma, em uníssimo e gritando, respondia a última sílaba, que dizer?

A prova de Ciências estava marcada. Ninguém estava preparado para a mesma. A turma toda resolveu “descer” e desta forma não haveria a prova. Mas o mestre chegou à sala, esperou, anotou ausência na caderneta e nota zero para todos os alunos. A turma sifu. Tivemos que estudar em dobro para a uma segunda prova cuja nota seria dividida com a nota zero da prova não feita.

Quando existia a eleição para presidente do Grêmio, a agitação era geral. Discussões, campanha, puxa-saquismo tomava conta de todos. Nem sempre ganhava o candidato com melhor plataforma. Ganhava sempre o candidato mais bonito! Ah, as meninas! Acontecia também a eleição da Rainha dos Calouros, quando era eleita a candidata mais metida, antipática, chata. A coroação era de surpresa, vaias e uma coroa de mato na cabeça. A diretoria não aprovava tal eleição e teve muita gente suspensa por causa deste movimento.

O ensino era de qualidade. O ingresso na Escola Normal era através do Exame de Admissão. Difícil, muito disputado, muitos alunos faziam mais de uma vez para passar naquele que era um “vestibular”. Aula de inglês, francês e latim. O que aprendi em francês não me fez passar vergonha quando tive que contato com nativos da terra de Voltaire. Até hoje sei cantar, em francês, a música “Aline” de Christophe, exigência da professora Shirlei em prova oral. Sala de ciência e biblioteca. Exame biomédico. Havia aula de Canto Orfeônico, mas também aula de Religião (somente a católica, estranhamente, como se religião fosse apenas esta) e, pasmem, Economia Doméstica apenas para as meninas. Os meninos gostavam porque ficavam livres para jogar bola naquela hora. Disciplina e respeito. Quem estudou na Escola Normal, pelo menos no tempo que procuro mostrar aqui, teve um ensino de qualidade e fez ali muitas amizades, traz consigo boas lembranças. A escola me deu, como disse o poeta, régua e compasso. Contribuiu para eu ser um cidadão do bem e ensinar aos meus filhos o valor das coisas simples, do estudo e do amor à educação.

Armênio, Manoel, Zuleide, Vital, Dulce, Denilva, Zoroastro, Zilka, Rui Carlos, Wellington, Viubaldino, Maria Vitoria, Graça, Ivonilda, Ubirajara, Vera, Marilena, Delma, Pedro Íris, Fernando, Zuwilson, Wilson, Raquel  (primeira  Miss Conquista e uma das mulheres mais bonitas que conheci), Teódolo, Teodoro, Maria do Carmo, Selia, Maria Elisdete, Terezinha, Eronildes, Zacarias, Valdemilson, Celeste, Simone, Vilson, Renato, Lucia, Gil, Ana, Gloria, Sandoval, Ademir, Benício, Zilmar, José, Valfredo, Celso, Wanda, Giselda, Boaventura, Antonio, Humberto e tantos nomes guardados, adormecidos ou esquecidos naquele arquivo dentro da nossa saudade. Este é um relato das lembranças do período em que fiquei no IEED de 1964 a 1971.

Viva a Escola Normal!

 

5 respostas para “Eterna e querida Escola Normal, aonde está você?”

  • AFRANIO GARCEZ says:

    Lina e muito bem redigida crônica, que nós faz refletir sobre os nosso querido amigos e colegas e principalmente os nosso grande mestres e neste quesito nossa cidade sempre foi um destaque nacional com a Escola Normal. Foi aí nesta escola que aprendi o valor da disciplina e da educação, já que tive grandes Mestre, como os Professores Everardo Públio de Caastro, e sua esposa a Professora Ita, o saudos Professor de Química que chamavámos carinhosamente de “Urutal”, o Professor Zilton ensinando Matemática, e grande e maravilhosos colegas, que ainda são meus querido e valorosos amigos. Também neste mesmo estabelecimento de ensino, encontavámos já a efusiva atuação no campo das arte, e também na militância política, o resultado é a grande gama de cidadãos e cidadã, que foram conduzidos para os mais diversosm setores de nossa vida política, econômica e social.

  • Bela crônica sobre um período da saudosa Escola Normal que teve na sua história muito suor derramado, embates políticos para que fosse instalada em nossa cidade nos idos de 1952. Hoje, fica apenas a saudade de um patrimônio cultural simbolo e referência na memória de todos que estudaram ou não no IEED. Mas a crônica não tentou responder à própria pergunta tese que lançara no título, … aonde está você? até lembra o poetinha: “E por falar em saudade onde anda você?”. Será que o gato comeu e ninguém viu? maldita pandemia que serviu de cortina sombria para vampiros, na calada da noite, destruírem um patrimônio do quilate da Escola Normal sem que ninguém percebesse, sem que ninguém falasse nada, sem que ninguém chamasse o responsável para explicar. Primeiro retiraram o telhado de zinco que cobria um requintado espaço cultural de nossa cidade, palco de eventos musicais e teatrais, como o Grupo Avante Época do saudoso Avanilton Carneiro, e que bem podia ter sido aproveitado por entidades culturais de nossa cidade. Depois de um tempo, como o silêncio consentiu, jogaram tudo no chão.
    Escola Normal, aonde está você? Com certeza ela não irá responder. Então vamos mudar a pergunta para: Vitória da Conquista, aonde você estava que permitiu uma humilhante destruição patrimonial desse porte que jogou na lama a memória e o suor dos personagens da crônica e dos que não mediram esforços para sua implantação? Fica a pergunta.

  • Paulo Teles says:

    Uma Escola onde formaram grandes Profissionais de Áreas diversas.
    Excelente Crônica a qual incluo um dos Primeiros Colaboradores para que tudo isto se concretiza-se .
    Nosso Querido *José Capitulino Teles.*
    Que marcou um tempo inesquecível.
    Figura marcante neste Estabelecimento.

  • Paulo Teles says:

    Excelente crônica !
    A Escola Normal formou grandes Profissionais de Áreas diversas.
    O saudoso José Capitulino Teles.
    Grande nome que muito contribuiu para o desenvolvimento desta Instituição.

  • Valter Freire says:

    Fico feliz em ver esta crônica aqui. Eu há escrevi tempos atrás. Viva a Escola Normal.

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alessandro tibo


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