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“Nossa gratidão a Carlos Jehovah

Tenho dito que, do ano de 2020, só teremos saudades daqueles que partiram… E, no apagar das luzes deste ano, recebemos uma notícia muito triste que foi a partida do amigo, escritor e teatrólogo Carlos Jehovah de Brito Leite.

No início dos anos de 1980, ainda cursando o Ensino Médio na Escola Normal, tive contato com a obra O Auto da Gamela de Carlos Jehovah e Esechias Araújo Lima. Ao ler a obra, foi possível perceber a sensibilidade dos jovens autores que, ao retratarem o nascimento de uma criança sertaneja, mostraram a riqueza da sua cultura e denunciaram as desigualdades regionais. Afinal, os autores clamavam por “um sonho bem sonhado” que só seria possível quando “todo o pão da terra” fosse “repartido em fatias iguais”.

Naquele mesmo período, eu trabalhava ajudando meu pai no Bar e Sorveteria Bandeirantes, na praça da Bandeira, onde também fica o Teatro Municipal Carlos Jehovah e era comum artistas e parte do público que frequentava o teatro, ao final das apresentações, passarem no nosso estabelecimento para tomar um sorvete ou uma cerveja. Certamente, Jehovah não estava entre esses frequentadores, pois não me lembro dele por lá. Nesse período, conheci a obra, o teatro e algumas de suas peças, mas não conheci Carlos Jehovah pessoalmente. Isso me deixava curioso!

Passaram-se alguns anos e, na condição de cidadão e militante político, tive a oportunidade de ter alguns contatos mais distantes com Jehovah em alguns eventos culturais e em reuniões em defesa da arte e da cultura. Eu observava aquele homem simples e que todos referenciavam como uma das maiores autoridades da Cultura e, nas poucas vezes que o vi declamar, tive a percepção do encantamento que ele tinha com a arte e da sua capacidade de contagiar a todos.

Quando assumi a Secretaria Municipal de Cultura em 2005 e passei fazer contato com diversos segmentos artísticos para discutir propostas voltadas para essa área, é que fui conhecer de perto a grandeza, a generosidade e a dedicação que Carlos Jehovah teve com a nossa Cultura.

Durante os quase 10 anos que estive à frente da pasta da Cultura, tive o privilégio de contar com o apoio e o trabalho voluntário, na discussão e elaboração (ideias) de projetos artísticos-culturais para o nosso município – Carlos Jehovah foi o maior entusiasta das ações da Secretária de Cultura em nossa gestão!

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Nas dezenas de reuniões e encontros que tivemos, Jehovah jamais fez qualquer solicitação de apoio pessoal. Invariavelmente, estava acompanhado de algum/a diretor/a da Casa da Cultura, da Academia Conquistense de Letras ou algum artista, sendo mais presente a amiga comum Poliana Policarpo de Magalhães e o seu parceiro Esechias Araújo Lima, entre tantos outros. Este devoto da Cultura sempre nos brindava com uma pauta de sugestões e reivindicações de ações coletivas, voltadas para o fortalecimento e valorização das diversas linguagens artísticas e uma enfática defesa do nosso patrimônio histórico.

Em relação ao patrimônio histórico da nossa cidade, quero sublinhar que não era apenas a defesa pela manutenção e preservação daquilo que já estava em poder do município, a exemplo do Solar dos Fonsecas, da Casa Regis Pacheco, da antiga e atual Biblioteca José de Sá Nunes; na condição de mecenas, Jehovah, à frente da Casa da Cultura, economizou os recursos da entidade e convenceu a sua diretoria a adquirir em parceria com a Prefeitura o Solar dos Ferraz para que esse espaço fosse restaurado e, no futuro, transformado em mais um espaço para fruição das artes conquistenses, evitando, assim, que fosse tragado pela especulação imobiliária. Anos depois desse feito, quando anunciei para ele sobre a aquisição do Cine Madrigal, os seus olhos brilharam.

Seria demasiado listar todas as ações e projetos que tiveram a participação de Carlos Jehovah durante a nossa gestão na Cultura, mas não posso deixar de agradecer a sua rica contribuição no Conselho Municipal de Cultura e nas Conferências de Cultura; na condição de jurado e também idealizador do “Festival Cenas Curtas de Teatro” e do “Concurso de Mini Presépios” no Natal da Cidade; da sua dedicação e vigilante cobrança para digitalização e publicação das “Obras Completas de Camillo de Jesus Lima”- Trabalho organizado pelo e escritor Mozart Tanajura; da colaboração no livreto “Cena LiterÁria” em homenagem a escritores conquistenses; da sua parceria (via Casa da Cultura) em projetos para equipar o Conservatório Municipal de Música e em edições da Mostra Cinema Conquista, entre outros.

Na 1ª Conferência Municipal de Cultura, em 2007, O Auto da Gamela foi encenada pelo talentoso e competente grupo teatral Finos Trapos, sob a direção do saudoso Roberto de Abreu em homenagem aos escritores Carlos Jehovah e Esechias Araújo. Nesse mesmo ano, a peça recebeu o Prêmio Braskem de Teatro.

Ao agradecer Carlos Jehovah por tantas ações, parcerias e apoios desenvolvidos a serviço da Cultura no Município quando estive à  frente dessa Secretaria, nas gestões dos Prefeitos Guilherme Menezes e José Raimundo Fontes, quero expressar a minha gratidão pessoal por ter aprendido muito sobre a história da nossa cultura, de ter alargado esse conhecimento e de ter aguçado ainda mais a minha sensibilidade artística com o convívio desse ser humano do bem, intelectual simples que sempre tratou a todos de modo muito afetuoso.

O seu legado, agora, faz parte do nosso patrimônio cultural. Fica a saudade para quem teve o privilégio do convívio, sejam para aqueles que compuseram os elencos e experienciaram a sua arte em cena; sejam para aqueles que compuseram o elenco da vida real, em especial, a sua esposa Cris e sua filha Gabriela, a quem nos solidarizamos.

Gildelson Felicio de Jesus

Secretário de Cultura de Vitória da Conquista de 2005 a 2014.”