A dialética da malandragem na política interiorana
* Por J Rodrigues Vieira
Depois de observar participando de umas tantas campanhas eleitorais, noto: qualquer coisa que represente uma quebra de paradigma na política interiorana, quando não desacreditada e derrotada em seu desejo de nascer, deixa-se ser cooptada pela velha tradição que, anos após anos, se repete numa fórmula que mantém frequências que se repetem de eleição em eleição: a dialética da malandragem.
Toda estrutura política interiorana se desenvolve na linguagem do senso comum. Essa linguagem fácil e corrompida, serve apenas para perpetuar interesses nada coletivos de uns poucos que preservam um aparente status de poder sobre coisas e pessoas: pequenos grupos, geralmente consociados entre os que detém melhores condições econômicas, sociais e, medianos conhecimentos intelectuais, que se reúnem em torno de interesses, meramente de perspectivas pessoais e produzem uma rede de “dizquedizque” para convencer os mais desafortunados e menos informados.
A frequência habitual da política eleitoral interiorana, geralmente se desenrola numa linguagem esportiva de competição, com mensagens gritadas e desafiadoras, como poderemos notar no debate descrito no livro de Fernando Sabino, O Grande Mentecapto, quando o locutor cerimoniara um debate insuflando o público em praça pública, praticando uma política extremamente emocional e alegórica, onde quase nada se nota de concepções ideológicas. Essa é a frequência do malandro de interior: figuras que adquire certas percepções dos acontecimentos e se põem à disposição dos candidatos, se tornando cabos eleitorais de esquina, pontas de ruas e botecos barulhentos na dimensão política em tempo e espaço. Uns poucos deles, se filiam a um partido político e saem candidatos à vereador. Quando se elegem, se tornam ambiciosos, pegam os macetes da coisa e se perpetuam nas câmaras municipais. Digo isso, por conta de se notar frequentemente, nas cidades pequenas, decanos de seguidos mandatos. No entanto, porém, em suas aventuras parlamentares, se observam pouquíssimos projetos e feitos públicos. Muitas vezes, o cargo eletivo de vereador no interior, passa ser uma profissão. Talvez, seja o malandro da política do interior, o espírito de sua tragédia social. Quase sempre, sem compreensão sociológica, tais malandros, se posicionam de acordo aos acordos que mantém seus acordos na relação com seus eleitores.
Um vereador de uma pequena cidade me contou o que fez para conseguir se reeleger numa certa ocasião que não estava bem avaliado no eleitorado: após sair da única agência bancária da cidade, levando duas malas pretas 007, fez questão de ser notado ao cruzar uma das praças da cidade e entrar na casa da sogra. Aquela situação chamou atenção de alguns populares curiosos que passaram a se reunir nas proximidades da residência. Momento esperado para o início da trama: enquanto um sujeito ventilou o boato que o candidato estava distribuindo dinheiro; outro foi ao fórum e denunciou um suposto crime eleitoral. Resultado, quando as autoridades judiciais chegaram ao local, encontraram apenas duas malas cheias de propagandas. Sem nada ter a fazer, enfezados, os oficiais deixaram a casa da sogra do tal candidato. Ele então, tratou de concluir a jogada: reuniu os curiosos, para na maior normalidade dizer que, realmente, tinha uma grande quantidade de notas para distribuir aos precisados, mas, como eles próprios haviam visto, a justiça apreendera o dinheiro por conta de uma denúncia de seus adversários canalhas. A história se espalhou dando conta que o candidato estava disposto a doar seus poucos recursos para ajudar os mais pobres. Comovidos e crentes, os eleitores lhe deram uma votação extraordinária, tanto que, nas eleições seguintes foi alçado a condição de vice-prefeito do município.
Outro sujeito, teve o grau de coragem de se internar num hospital público, fingindo-se doente para operacionalizar sua campanha recebendo visitas e mantando orações no pé de seu leito de enfermo, numa ala reservada exclusivamente para a trama — e deu certo —, veio a ser o mais votado nas eleições proporcionais. O interessante aqui, é o fato dos responsáveis pelo equipamento público: prefeito, secretário, diretor do hospital e, até de médicos e enfermeiros terem participado da farsa.
Escrevi esse artigo quase literário, por conta de uma conversa que tive com um jovem estudante de Direito que, como todo universitário iniciante, maravilhado e, um tanto soberbo, praticamente, me sabatinou com teorias e teoremas sacando da memória, pensamentos de velhos defuntos europeus. Mas, afinal, o que é a instituição do Direito na sociedade? É tão imaginária quanto ao malandro. Esse jogo já se faz na carta de Pero Vaz de Caminha ao rei português, quando ele solicita a soltura de seu genro, que estava preso por assalto a uma igreja e agressão a um padre.
A política eleitoral interiorana é um ambiente perfeito para que o malandro usufrua das boas coisas da vida sem precisar da formalidade exaustiva dos conhecimentos de ordem teórica. No entanto, porém, deixando de lado o falso moralismo, não podemos deixar de notar na dialética da malandragem, a experiencia comum da vivência. Quem não se lembra do personagem popular João Grilo no Alto da Compadecida, de Ariano Suassuna, que se utiliza da astúcia para conseguir sobreviver. Imagine agora com a expansão das redes sociais online e a profusão de websites e blogues, onde qualquer pessoa pode construir as mais variadas narrativas acerca dos acontecimentos numa linguagem ainda pior: a memética.
**J Rodrigues Vieira é ficcionista, membro da UBE – União Brasileira de Escritores.