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Por Herberson Sonkha*

O modus vivendi das populações africanas e afro-brasileiras no mundo é perpassado pela miséria e extrema pobreza material e intelectual. Por isso, torna-se peremptoriamente vulnerável à letalidade do vírus para nossas populações negras. Vide a sua agressividade frente à ausência de terapia medicamentosa, restando apenas o isolamento social para quem tem casa como prevenção eficiente no combate à propagação da infecção.

Apesar dos enormes avanços nas ciências, tecnologias e equipamentos digitais, o mundo está às voltas com o insopitável vírus mutante (vírus RNA). O SARS-Cov-02 deu origem ao nefasto Coronavírus (Covid-19), aliás, até o momento ainda é indestrutível por meio de medicamentos. A primeira infecção confirmada ocorreu na China em 17 de novembro de 2019, na província de Hubei, desde então viralizou-se pelo mundo como uma grande pandemia que já infectou 1,9 milhão de pessoas com 114.983 mortes no mundo todo.

Antes de apresentarmos a situação de múltiplas vulnerabilidades que classifica a população negra no Brasil como portadora de perfil de alto de risco de contagio e letalidade, é preciso ampliar o olhar crítico sobre o modus vivendi de populações africanas e egressas de diásporas africanas no mundo. Deve-se abordar, sobretudo, às questões socioeconômicas e políticas da África contemporânea que possuem traços muito parecidos em alguns aspectos com o do Brasil das populações afrodescendentes.  

A situação do continente africano é crítica e já ultrapassam a casa dos 7 mil casos de infecções por Covid-19, com 280 mortes até o  dia 03/04/2020. No Brasil são 22.169 infectados com 1.223 mortes. Tanto o continente africano quanto o Brasil não possuem estruturas de atendimento em saúde (Atenção Básica, Média a Alta Complexidade) suficiente amparada por uma rede hospitalar com equipamentos de proteção de uso individual, leitos de UTI suficientes para dar conta dessa pandemia.

Ambos os países possuem vastos territórios e uma superpopulação pobre vivendo em sua grande maioria nas periferias desassistidas de políticas publicas, uma vez que não chega a cobrir 60% dessas populações.  Por essa e outras razões é que a ascendência da linha de casos de coronavírus na África e no Brasil é crescente e está longe de atingir sua curva e desacelerar, aproximando-se do quadro calamitoso de seu principal parceiro comercial que é a China. Imagina-se que a intervenção nesses três territórios tem implicações agravantes porque são regiões superpopulosas, territorialmente grandes e, exceto a China, os demais possuem sistemas de saúde deficitários.

Dos 55 países que compõem o vasto continente africano, 50 já atingiram os 7 mil casos de infecções com 280 mortes dados atualizados até o dia 03/04/2020. O Centro de Controle e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC) confirmou 284 mortes, 560 doentes recuperados da infecção e 7.028 casos confirmados no continente até o dia 03/04/2020. A África-sub-saariana é a região mais prejudicada porque se situa na região com maior concentração de pobreza do planeta, constituída por 33 países dos 55 que formam o continente africano. Essa pobreza e inúmeros problemas socioeconômicos e políticos, questões estruturais que decorrem de heranças do colonialismo e neocolonialismo, vários conflitos étnicos, governos autocráticos politicamente instáveis, confrontos causados por  fracções terroristas islâmicas.

A situação da África Setentrional ao norte do continente com maior incidência da população branca é considerado o epicentro da pandemia com 3,030 casos, 200 mortes e 314 infectados que se recuperaram. Na África Meridional (África Austral) ao Sul do continente banhando pelo oceano Índico e pelo Atlântico registraram 1.558 casos, 10 mortes e 48 doentes curados da infecção. A África Ocidental ao oeste do continente incluindo o deserto de Saara registrou 1.303 casos de infecções, 37 mortes e 164 infectados curados do coronavírus.  Permanecem sem registros de infecção São Tomé e Príncipe, Sudão do Sul, Camarões, Republica Sarauí e Lesoto.

O quadro desolador criado pelos modelos socioeconômicos e políticos desenvolvidos pelas elites capitalistas brancas mundiais relega o povo africado e suas descendências brutalmente separados pelas diásporas negras pelo mundo, ao mais brutal dos submundos, condenando-nos a mais absoluta indigência. No Brasil, são mais de 500 anos de um criminoso regime escravocrata, no qual permanecemos subjugamos até hoje, cuja consequência mais renitente é a manutenção criminosa de mais 60% da população afrodescendente confinadas em guetos, periferias e favelas. As populações sobrevivem miseravelmente à margem da vida material e intelectual dessa sociedade burguesa branca.

Por isso, nossa sobrevivência no mundo contemporâneo passa pelo acesso coletivo a outro tipo de cultura baseado na vida material e intelectual legado de nossa ancestralidade. O modus vivendibranco oferecido pelo sistema capitalista burguês não nos oferece as condições necessárias para o bem viver em coletividade, pois aflige o nosso tipo de vida coletiva que diverge profundamente da matriz de sociedade do capital contemporâneo, baseado em impérios comandando por tipologias eurocentrista ou anglo-saxônica.

A importância de nossas vidas negras passa pela defesa inexorável de nossa cultura ancestral, sem a qual vidas negras deixam de ser importante porque o mundo ocidental cultua o TER, em detrimento do SER. Há um pouco mais de cinco séculos que as populações negras morrem no mundo todo aos montes (de fome, sede, frio, cólera, assassinado, migração, estupro, feminicídio, oprimidos) e nada muda o curso beligerante da maquinaria estatal. A sociedade dominada pelo ethos de Estado que age em causa própria, alegando legitima defesa da “Ordem e o Progresso” do capital e sua sociedade civil branca e burguesa.

 Nessa sociedade predominantemente branca não temos nenhuma importância, muito menos significado capaz de preservar nossas vidas negras. Não existe outro caminho possível que não seja a luta permanente de modo contínuo pela emancipação do povo negro, caso contrário, continuaremos como bois jogados as piranhas para preservar uma casta minoritária que desde sempre vive como nababos. Não podemos aceitar o sacrifício diário da população negra jogada ao mar revolto  para acalmar os tubarões de marcado que vive do sangue, da carne e do suor do povo negro. Queremos as mesmas condições garantidas à população branca para que possamos proteger o nosso povo do  beligerante coronavírus.

*Herberson Sonkha é professor de sociologia e filosofia em cursinhos em Vitória da Conquista. Estudante de Ciências Econômicas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Foi gestor administrativo lotado no Hospital de Base de Vitória da Conquista. Foi do Comitê Gestor da Secretaria Municipal de Educação de Anagé. Presidiu o Conselho Municipal de Educação de Anagé. Coordenou o Programa Municipal Mais Educação e a Promoção da Igualdade Racial do município de Anagé. Foi Vice-Bahia da União Brasileira de Estudante (UBES) e Coordenador de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Vitória da Conquista (UMES). Militante e ex-dirigente nacional de Finanças e Relações Institucionais e Internacional dos Agentes de Pastorais Negros/Negras do Brasil. Membro dirigente do Coletivo Ética Socialista (COESO) organização radical de esquerda do Partido dos Trabalhadores.