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A nossa amiga conquistense, tão presente em nossa vida, desde os tempos do Educandário Juvêncio Terra, nos ajudando a escrever a história do Massicas na terra da sua saudosa tia, a inesquecível professora e historiadora Heleusa Figueira Câmara, que Deus tirou do nosso convívio há um tempinho atrás.
Neste sábado Santo, silencioso, sem os fiéis participarem da tradicional procissão, um sinal quase que inaudível do celular chega aos meus ouvidos e me convida a abrir a tela. Ao fazê-lo, deparo com uma mensagem da minha querida amiga dando conta de que “tem um textinho aí pra você!“.
O que bom é bom precisamos dividir com o próximo, por isso mesmo estou disponibilizando esse brinde com os leitores do nosso blog:

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A palavra de desordem é “expansão”

Por Valéria Figueira*

“Um vírus pequeno e invisível paralisou o mundo e nos colocou em casa.”

É bem provável que tenhamos visto em algum filme, cujo contexto da trama esteja situado na Idade Média, cenas sobre a peste negra ou que tenhamos ouvido falar sobre a gripe espanhola, que dizimou milhões de pessoas no início do século XX. De longe, protegidos pela tela do cinema, pelo apelo esperado da ficção, ou pelo tempo, que faz com que algo passado, há mais de cem anos, seja impossível de nos atingir, imaginem nós, preparados e avançados que somos.

Os que nasceram depois da gripe espanhola puderam ver a ciência encontrar o coquetel para o tratamento do HIV e tomar controle sobre o ebola e as gripes aviária e suína. Surge então o COVID-19, lá na China, e esperamos que tudo se resolva, que o noticiário mude logo o assunto, nada que altere o nosso carnaval porvir e os planos para os próximos feriados. Só que, dessa vez, não. O carnaval até aconteceu, já um pouco ressabiado. As notícias ganharam força e se aproximaram com uma tamanha enxurrada de informações e ameaças que nos derrubaram da posição de expectadores. Uma crise inédita chegou e se instalou, sem que tivéssemos feito nada para provocá-la,  sem previsão de fim. Um vírus pequeno e invisível paralisou o mundo e nos colocou em casa.

Muitos de nós não fazemos parte do grupo de maior risco, temos o privilégio de sermos remunerados mesmo com as medidas de isolamento social, estamos menos suscetíveis à violência das ruas, ao estresse do ônibus lotado ou do engarrafamento, ao desgaste dos relacionamentos interpessoais, tivemos nossos prazos para a entrega de tarefas adiados e temos, enfim, o bem mais precioso à nossa disposição: o tempo. Dessa forma, surge a pergunta: “Estamos lidando bem com isso?” Ainda bem que não.

É compreensível, esperado e até desejável, estranharmos esse freio que nos foi imposto, já que estávamos habituados a um ritmo excessivamente frenético e, principalmente, estamos apreensivos com os nossos idosos e com os vulneráveis (física e/ou economicamente).  A boa notícia é que a dor é necessária para a elaboração de algo novo, pois aquilo que não pode ser sentido, também não pode ser organizado, nomeado e elaborado. Essa é a receita que faz com que tiremos aprendizados valiosos para a nossa existência. Precisamos do autocuidado para que não nos percamos na desesperança. Somos mamíferos e nos regulamos em bandos, então as chances de garantir a nossa sobrevivência aumentam consideravelmente com a manutenção de uma boa saúde mental.

Ao nos tirar do lugar de invencíveis, tão confortável quanto ilusório, a pandemia nos ofereceu uma oportunidade de nos desequilibrarmos, para que certezas se quebrassem e espaços surgissem. A eminência da morte chegou mais perto, mas será que isso é mesmo ruim? Como viveremos agora com a incerteza do amanhã? Nosso ego precisa de segurança e controle para exercer o seu domínio, para que possamos nos regular psiquicamente e sobreviver. A impermanência é sua maior ameaça, mas também, uma abertura para o crescimento, a flexibilidade e a liberdade.

A palavra de desordem é “expansão”, porém interna. Quando os eventos foram cancelados, surgiu a oportunidade de um encontro com nós mesmos. Ao nos impedir de sair, foi nos dada a chance de olhar para dentro, um tempo para cultivarmos em nós a força e a segurança que estão faltantes lá fora. Ao nos recolhermos à casa, a pandemia nos colocou de volta ao útero. Desta oportunidade é esperado um renascer.

Ilustração: Eliezer Nobre

*Valéria Figueira é Bacharel em Artes Cênicas e psicopedagoga. Graduanda em Psicologia e aluna do Mestrado Profissional em Psicologia e Saúde Pública, ambos da Bahiana. Em formação no curso de Especialização em Psicoterapia Analítica, pelo IJBA, e Experiência Somática. Autora do livro: “A Incrível falível, uma volta para chegar em mim”, Ed. PressColor.