delegado valdir barbosa

Depois de visitar um campo mais que belo, no qual, assistentes ladeados por lindas, altas e elegantes palmeiras miravam o palco, onde João Omar, Xangai e Toti derramavam seus versos e acordes invado, sábado último, o quase insalubre aeroporto de Vitória, desta Conquista que amo.
Entre pessoas que se acotovelavam, finalmente, a gentil e educada Janete, funcionaria da aviação Passaredo, há anos, me convoca no intuito de finalizar o check in, aos quais devem se submeter todos aqueles que desejam embarcar, em quaisquer dos aeroportos que operam linhas regulares, no Brasil e mundo afora.
Por óbvio, ao ser atendido trago à mão carteira funcional, capaz de identificar policiais civis, como outros tantos colegas, dentre Delegados, agentes e escrivães, com quem redigi minha história de vida e sem os quais seria imponderável fosse ela recheada de êxitos. Mas, não é disso que quero falar.
Mesmo estando na testa do documento, o número do meu cadastro, zelosa, dita funcionaria tenta retirar a cédula do invólucro que lhe envolve, justo a carteira responsável por guardar insígnia de uma instituição, obviamente digna de respeito, por consequência, também devido aos seus integrantes. É ela, quem cuida das questões de polícia judiciária, é ela que elabora perícias capazes de elucidar crimes intrincados, é ela quem expede as carteiras de identidade, na Bahia, através do Instituto Pedro Melo, dando personalidade jurídica aos cidadãos.
Há anos, desde quando ali foi colocada, aquela peça não sai da sua capa protetora, assim, vi com receio a possibilidade de tê-la danificada, no movimento da funcionaria, seria como se alguém tentasse tirar a alma de um corpo, sem matar o vivente, tão amalgamados se acham papel e estojo.
Inquiri acerca da necessidade daquela manobra e sou informado de sua intenção, por achar em algum canto escondido, na descrita cédula, o número de meu registro geral. Como sei que não o encontraria, posto o número identificador do documento é meu cadastro, o qual, em meu pensar deveria ser anotado como referencia do passageiro e posto ao lado, Policial Civil, como se procede mediante OAB.s, CRP.s, CREA.s, CREMEB.s e outros tantos documentos, portados pelos profissionais de cada uma de suas áreas. Todavia, no intento de não questionar, pergunto se deseja armazenar o número do meu RG e, incontinenti, o recito.
Claro, submissa a normas, em meu pensar, mal definidas – há que dar ao subordinado treinamento para adotar tipos diferentes de rotina dependendo de cada caso -, a moça exige que apresente outra cédula oficial, posto necessitava confirmar os dados apontados por mim, velho Delegado de tantas lutas, naquela terra alterosa e outros tantos cantos mundo afora.
Enquanto futucava minha pasta, para achar o documento exigido, olhando com atenção para aquela jovem, lembrei-me de um tempo, muitos anos atrás, quando prendi falsário em Miami e finalmente fui buscá-lo, sob minha escolta, para responder por seus crimes no Brasil.
Na oportunidade, Marshalls, profissionais responsáveis pela condução de presos, naquele país da America do Norte foram leva-lo ao aeroporto da glamorosa cidade onde me achava, juntamente com colegas do FBI, exatamente aqueles que ajudaram fazer vitoriosa, a empreitada de um tupiniquim, nas terras do Tio Sam.
Havia, nos tempos idos permanecido também, junto a Jorge Ezio, hoje dileto amigo, como muitos que fiz, ao longo destas seis décadas e quase cinco anos, ex-diretor de área da segurança do Banco do Brasil, órgão financeiro lesado pelo estelionatário e parceiros, em muitos milhões de dólares, mediante golpe esclarecido por força de investigação por mim conduzida culminando com a detenção em referencia.
Estava armado – coisa que não me atrevo a fazer mais, quando embarco em voos regulares, justo por conta de regras mal formuladas, nesta terra com tantas inversões de valores – tendo recebido o individuo que cacei por muitos meses e, na oportunidade, imaginei a dificuldade que teria para finalmente chegar ao jato e concluir minha empreitada. Falei deste meu temor a Joseph Regil, agente especial do bureau, que se tornou meu parceiro impar desde então, ao que ouvi dele, resposta jamais esquecida. Como conversávamos em castelhano, disse-me assim: “Tranquila amigo, usted se encontra em Estados Unidos de América”, fazendo-me engolir seco.
Em seguida, ainda meio cético acompanhei seus movimentos e lhe vi mostrar credenciais, aos funcionários responsáveis pelo embarque, os quais fizeram as portas de acesso completamente abertas, como se ouvissem vozes de, “abre-te sésamo”, dos contos que acalantaram minhas leituras juvenis.
Voltando ao Pedro Otacílio de Figueiredo, após o cheque na minha CNH, a jovem concluiu o procedimento entre sorrisos, então, passei para a sala quente, onde passageiros de duas companhias, como sardinhas desconfortavelmente enlatadas aguardavam a hora de partir, no rumo das aeronaves que os conduziria a seus destinos.
Ainda no voo rabisquei estas linhas que agora concluo, num domingo que amanhece, observado pelo nosso buldogue francês, Duc, enquanto os amores da minha vida ainda ressonam aproveitando o fim da madrugada. E concluo: quanto a sociedade vem sofrendo nas mãos de bandidos que atuam, nos quatro quadrantes desse imenso Brasil, sem exceção, sobretudo porque os marginais, cada dia mais ousados deixaram de temer e, principalmente, respeitar a polícia.
Porem, e infelizmente, a toda hora, situações de desrespeito para com profissionais responsáveis por trabalho difícil e da maior importância para a sociedade – pouco importa se existam maus elementos nas corporações, eles não as representam – são desconsiderados por cidadãos, nas mais diversas situações do cotidiano, sem perceberem estes que posturas como tais reforçam a desobediência dos maus.
Ao encerrar os rabiscos, volvi meu pensamento a Belo Campo, de onde ainda guardo a lembrança das musicas tocadas por João Omar, Xangai e dos versos de Toti derramados ali, na sexta ultima. De repente, ouvi no meu juízo a voz marcante do poeta alagoano, em declamação. “Janete, respeita a “puliça”!!!, senão, cada vez mais, os bandidos pintarão o sete”.

Salvador, 19 de fevereiro de 2017.

Valdir barbosa