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Por Oscar Barreto*

Vivi certo amor e ódio com os jogos olímpicos, durante toda minha vida.

Quando muito jovem adorava contar as medalhas de países e teorizar sobre as contagens de pontos, até descobrir que competição era muito injusta com a dimensão dos países e do poder econômico de potencias e dessa forma me desestimulei.

Logo depois foi vencido pela beleza plástica das Romenas, Soviéticas, pela força de Cuba, pelos fundistas Africanos e pela rapidez dos negros caribenhos e voltei a curtir os jogos até 2008, quando li uma crônica “Tênis X Frescobol” de Rubem Alves que dizia “O tênis é um jogo feroz. Seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola. Joga-se tênis para fazer o outro errar’ na continuidade do texto, o autor faz referência ao frescobol” se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la e não há ninguém derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. “E ninguém fica feliz quando o outro erra”.

Na crônica acima entendia que na disputa olímpica era um derrotando o outro e eu me preocupava mais em sentir a dor do perdedor do que a vitória do melhor atleta e me afastei dos jogos, até que veio Atenas 2004 com seu grande atleta, o nadador Michael Phelps e seus fabulosos recordes e vi que a magia da competição poderia ser a própria superação dos atletas e dos seus limites, nunca a valorização dos seus países como nós somos naturalmente induzidos a competir uns contra os outros e assim passar se preocupar com quadros, estatísticas e torcer belo erro ou derrota de uma atleta ou equipe que se preparou a exaustão para estar na competição.

Votei então a me interessar, mas a torcer logicamente por atletas sempre de países menos expressivos nas olimpíadas, como países  latino americanos, caribenhos, apesar de torcer por Cuba, país que sempre se destaca, países africanos, da Oceania exceto os dois da Australásia, alguns países da Ásia e um número reduzido de nações do Leste Europeu. Como foi na lembrança da Medalha de Prata para Tonga em Atlanta em 1996. Mas o que é Tonga? Ou para a medalha de Bronze da Eritreia em 2004 em Antenas. Eritreia, onde fica isso? Ou as fantásticas negras corredoras das ilhas da Bahamas e Jamaica, a nossa Ogígia da Abya Yala. Qual a origem dessas Nereidas caribenhas?

Uma observação, no poema épico da “Odisseia” de Homero, “Ogídia’ era a ilha a qual Ulisses ficou aprisionado com as “Nereidas”, que são as cinquenta filhas de Nereu e de Dóris, entre elas Calípso que compartilhava com todos as águas do mar.

“Abya Yala” é como os índios Kuna da Colômbia se referem a grande terra, que é o nosso continente americano.

Percebi que a olimpíada tinha coisas bem mais importantes que o atrativo do quadro das medalhas, pois são encontros de culturas se alinhando e se diversificando.

E tem para tudo: atletas fundistas magros, judocas pesados, ginastas baixas e basqueteiros altos, têm ainda os negros dominando no atletismo, brancos vencendo quase tudo na natação, asiáticos supremos no Badminton e no tênis de mesa.

Quem sabe um dia terá nas olimpíadas provas da nossa expressão cultural afro-brasileira, que é a Roda de Capoeira angola ou Regional, surgida na Capitania de Pernambuco, possivelmente em fins do século XVI no Quilombo dos Palmares ou o Huka-Huka uma luta tradicional brasileira dos índios Bakairi, que são dos povos indígenas do Xingu no estado de Matogrosso, praticado durante o Quarup.

Entendi que para mim, o que encantava na olimpíada era o que estava por trás dos atletas: que era o seu povo, a sua história, a sua geografia e seus costumes.

Lembro em 1971, com um gibi da Disney “Pateta nas Olimpíadas” nas mãos, que eu tinha comprado em uma banca de revistas na rotineira caminhada rumo à biblioteca Monteiro Lobato no bairro de Nazaré em Salvador, que aprendi sobre a cidade de Monique, suas características, sua gastronomia, roupas, monumentos e até algumas palavras em alemão. Quando do início dos jogos olímpicos de 1972, aprendi sobre a causa Palestina, o Muro de Berlim e o que era a Cortina de ferro, algo que tinha me assustado anos antes, quando ouvir sobre ela, como adversários fortes e pavorosos do Brasil na copa Júlio Renner em 1970.

Ouvia os hinos e prestava atenção nas bandeiras e principalmente me inteirava sobre algum personagem que me transportava para algum lugar do mundo.

Por trás do atleta na TV tinha uma vida, um lugar, uma família e eu estava lá, atrás dessa historia. Todavia, como as informações não são tão presentes como nesse mundo de agora, minha imaginação fluía e criava as minhas próprias estórias que tentavam casar com o que eu podia saber sobre certos povos, seus hábitos e comportamentos. Então essa era a verdadeira motivação encontrada para apreciar as olimpíadas, pois essa interação cultural justificava as competições.

Mas até que veio Rio 2016 e com ele um golpe fatal da corrupção que desviou milhões que faltaram na mesa de pobres miseráveis brasileiros com suas fraudes faraônicas. O meu nojo era tanto, que não medi consequências daquilo, imputando aos inocentes atletas o meu desinteresse e tudo isso fez que não visse nada desse evento tão esperado no meu imaginário, que um dia aconteceria no Brasil. Não sei até hoje, por raras exceções quais brasileiros brilharam tamanha a minha tristeza com aquele tipo de gente que não entende de medalhas e sim dos cifrões roubados e ainda para o pior desfecho, trouxeram das trevas para o cenário politico já tanto maculado em todos os governos sem nenhuma exceção, a nume Jurupari, que é a besta que junto a Xandoré, divindade do ódio, ambas deidades do panteão Tupi, expressa a cólera ás minorias, que estão representadas aqui pelos povos autóctones sempre indesejados e agora mais ainda, além de massacrados por esse nefasto governo.

Em contrapartida, em todas as minorias atacadas ocorrem uma reação, respondendo nessa olimpíada com toda sua força e isso fez que eu voltasse o meu olhar para esses atletas que agem espontaneamente sem veículos, como exemplo de superação em uma sociedade claramente discriminatória e patriarcal.

Que lindo foi ver uma menina skatista nordestina do Maranhão Rayssa Leal, de 13 anos, com apenas 38 quilos, bailando no inconsciente do Tambor de Crioula, na Dança do Caroço, na Dança do Lelê, na Dança do Coco e no Cacuriá.

As mulheres uma página sempre importante de se destacar pela beleza e o emocional que trás a olimpíada. Mulher na língua Ioruba, onde por tanto tempo viveram uma sociedade matriarcal, se chama “obinirin, onde Obi é Coração e Nrin, andando”. A mulher é o coração que anda. E são elas tão sutilmente retalhadas nesse país machista, as grandes medalhistas e são tantas e estão tão bem diversificadas em todo Brasil. Poderia destacar a judoca gaúcha Maysa Aguiar pela superação de várias cirurgias, assim como as iatistas Marina Grael e Kahena Kunze, as tenistas Luisa Stefani e Laura Pigossi, mas o destaque é Carol Gattaz, a medalhista brasileira com mais idade em todas as Olimpíadas, com seus 40 anos.

Nas minorias religiosas, temos Paulo Henrique, jogador que é ouro no futebol e comemorou um gol sobre a Alemanha com um gesto de Ofá Oxóssi, que é de um caçador de uma só flecha e escreveu “Oke Arô, sarava meu Pai”. Ofá significa o objeto, “Ofá Odé Òsoosì, Oni Aráaiyé”.

Da favela dos livros “Os sertões” de Euclides da Cunha, ao “Baile de favela” chegamos a nossa principal representante Negra, Rebeca Andrade com os seus 1,51m de altura, filha de mãe solo e empregada doméstica com mais sete filhos para criar e que dela brotou essa orquídea negra, que parece estar em um xirê de maracatus de baque virado e com sua roupa Rosa, incorpora a Orixá Obá, dona dos ventos e Redemoinhos. Está explicado. “Akirô Oba Yê”. Sem esquecermo-nos de mencionar da sua herança na lembrança sempre presente da encantadora negra Daiane dos Santos, que dona de si disse, do orgulho de ter suas raízes africanas e passar isso para os seus filhos.

Temos Ana Patrícia do Vôlei de Praia com 1,94 metros e Darlan Romani atleta do Arremesso de Peso com 157 Kg, ambos brilharam em um maravilhoso quarto lugar.

Mas é de Salvador terra da ginga do Ilê, que temos a força do boxe na fala livre e da espontaneamente baiana de Herbert Conceição, ajudado pela vaquinha de uma família pobre e rebento de Luiz Dórea que já treinou o baiano campeão mundial Popó mão de pedra, que do seu sparing Raimundo Ferreira, o ”Sergipe”, saiu o pai de Beatriz Ferreira, campeã mundial e mais uma medalha para as meninas baianas que tem um santo que só Deus dá, como Deus deu essa pugilista pegando pesado no peso leve do boxe soteropolitano. Mas a Bahia já deu a régua e compasso a outro Conceição, esse o Robson, o terror do bairro de Boa Vista de São Caetano em Salvador, medalha de Ouro no Rio 2016, essa eu tinha de lembrar!

E o surf descriminado como esporte de jovens vagais nos deu o atleta Ítalo Ferreira, um nordestino autêntico de toda alegria que ardia sempre a primeira, festa do interior. Interior lá do mar de barra do Ceará e junto com a baiana lésbica, a nossa Electra uma oceânide amancebada com Harpia, que é a nossa medalhista Ana Marcela representante LGBT no mar aberto, ambos com a força que vem do fundo do mar de “Odo Iyá Iemanjá”.

Restou a Canoagem da aguas de Oxum, “Òóré Yéyé” ou de Yara, deusa dos lagos dos Tupis e na língua Tupi, y-îara, “senhora das águas” e é agora para Isaquias Queiroz, nossa derradeira atenção.

Qual a história que levaria o meu imaginário a criar a nova estória nessa olimpíada se não ele, um atleta de família pobre  de sete irmãos entre adotados e biológicos, na força da mãe Dilma, viúva  que  trabalhava na rodoviária da cidade para sustentar sozinha os seus filhos.

Isaquias, com três anos de idade sofreu queimaduras graves e foi salvo pela força de xangô “Kaô Kabecilê”. Com cinco anos foi roubado da sua mãe e encontrado perdido na Rua, com pela força dos intermediários Erês e do orixá Ibeji “Oni Beijada” (Ele é dois!). Com dez anos, foi enfeitiçado pela cobra de Oxumaré “Arroboboi” e curioso subiu, mas caiu de uma arvore, batendo suas costas em uma pedra, perdendo seu o rim e ganhando alcunha de “Sem Rim” e é o nosso representante com uma espécie de deficiência.

E é provável que o nome Isaquias vem de Ezequias um notável rei de Judá que governou entre aproximadamente 715 e 686 a.C. e ficou conhecido justamente por ter sua vida prolongada milagrosamente por Deus após uma grave doença.

Mas ainda falta algo, pois olhando para Isaquias, ele tem a face e formação corpórea dos indígenas tupiniquins e já que ele nasceu em Ubaitaba, sendo essa cidade o lar reminiscente dos Tupiniquins, podemos chegar ao nosso representante Indígena, já que Ubaitaba foi uma região habitada justamente pelos índios tupiniquins e que foi a sua maioria até os anos de 1930 quando Ubaitaba se torna município.

Uma breve lembrança do povo tupiniquim que habita hoje as três Terras Indígenas no norte do Espírito Santo na cidade chamada Aracruz e o quanto ouvimos a palavra “Tupiniquim” é para desqualificar a condição de ser um brasileiro tosco, matuto, jeca, tabaréu e não para simplesmente contar de nossa ancestralidade. Comparamos depreciativamente essa etnia como algo chocho e burlesco, como ao termo que referimos ao comportamental brasileiro do “complexo de vira lata”, além de conter um sentido estupidanente preconceituoso, inclusive com os animais não humanos.

Tupiniquim ou tupin-i-ki, quer dizer tupi que vive ao lado ou tupis que vivem “-i-”, (rio) da outra margem do rio.

Foram esses mesmos indígenas que receberam as Caravelas de Pedro Alvares Cabral, quando eram de 85 mil indígenas e, no século XVI, ocupavam quase todo o litoral do Brasil junto com o 109 mil Tupinambás e 30 mil nômades Aimorés ou Botocudos que foram expulsos do litoral até chegar aos seus vizinhos, os indígenas Goitacás, que se espalhavam mais ao sul do Espírito Santo até as atuais cidades de Campos e Cabo Frio, no Rio de Janeiro.

Assim os Tupiniquins que foram aliados dos portugueses na Confederação Tamoio, entre 1554 e 1567, derrotando os franceses coligados aos Tamoios (Tupinambás mais velhos), junto com os Aimorés, Temiminós, Guainases e Goiatacases.

A situação indígena já era caótica em todo país, mas se agravou após o decreto aos presidentes de província em 1850 ainda no império que pela carta circular ordenava-lhes obter esclarecimentos a respeito dos aldeamentos dos índios, declarando as alterações dessas aldeias através de documentos evidenciando o interesse do Estado para justificar a extinção das aldeias, agora conforme a lei.

Quanto a cidade de Ubaitaba, ela foi aos meados do Século XVIII um arraial de Tapocas que é o mesmo que Tapi’oka que em Tupi quer dizer pão feito na aldeia, ‘Tapi’ é pão e ‘Oca’ é casa, que era margeada pelo Rio de Contas, após a capitania de São Jorge de Ilhéus iniciar o processo de ocupação, através de fazendas para extração de madeiras na região, começando um ciclo migratório continuo junto ao outro Arraial de Faisqueira, até esses arraiais deixarem de existir em 1913 por causa de uma enchente.

Ubaitaba é uma palavra do tupi, ‘Ubá’ que é canoa pequena, ‘y’ significa rio e ‘taba’ é aldeia.

Sobre esse rio de Contas que chega à região, ele divide as cidades de Ubaitaba e Aurelino Leal, no sul da Bahia e se torna uma avenida fluvial que marcou um modo de vida na região, onde jovens remavam em canoas fazendo a travessia do rio.

Não era só os povos do Araguaia da bacia dos Tocantins os Avá-Canoeiros, como os karajás e Javaés os grandes canoeiros a fazer as embarcações com a casca do jatobá muito antes da chegada dos “Caraíbas” (homens brancos), essa pratica de navegação era comum em todo território Pindorama que em língua tupi-guarani significa terra de palmeiras… ”onde canta o sabiá”… ”tenha pena d’eu… sabiá”.

Tinha de dar Ouro e Yorixiriamori, a divindade dos Ianomâmis pode voltar e encantar as mulheres, pois enfim o Ouro é Tupiniquim.

*Oscar Barreto é a Arquiteto, Urbanística e Paisagísta e trabalha com povos Autóctones.