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João Pedro Macêdo Soares é um querido amigo de apenas 16 anos que cada vez mais me encanta pela sua inteligência e sensibilidade, ainda bem que os seus pais, Elma e Ramon, me deram a oportunidade de conhecê-lo, em razão disso já tive o prazer e a honra de entrevistá-lo por três vezes.

Leiam com bastante vagar, e vejam que o texto é “um pouco de cada um de nós”, conforme fala sua amada mãe:

“A Lua está linda hoje

Por João Pedro Macêdo Soares

Contar histórias não é sobre externar o que acredita. É sobre externar. Os sofistas já sabiam disso desde a Grécia Antiga.

Claro, a ética diz que o ideal é propagar apenas o que você acha certo, não algo que eventualmente te cause um benefício individual injusto. Mas precisa saber externar. Não basta ser honesto, mas parecer. E esse conhecimento é um pouco mais recente, mas o imperador Júlio César já o conhecia.

Sendo assim, o que este texto propaga não é necessariamente a forma como o autor lida com o luto, mas como ele diz que deveria lidar porque soa mais poético.

Este texto é para ser diferente dos demais. Não é uma crônica, uma matéria ou uma opinião. Sequer recomendo que deveria ser lido. É apenas a forma que encontrei de podar melhor o luto. Hoje, 27/03, meu avô morreu.

Além dos desejos de pêsames e sinto muito, peço que o leitor perceba: se tenho o mínimo de calma emocional para estar no Medium colocando letras em uma ordem lógica, percebe-se que minha ligação com ele não era tão forte. Fosse, por exemplo, meu pai, não me verei em frente ao computador tão cedo.

Mas sim, eu estou triste. Muito próximo ou não, a distância já era suficiente para sentir tristeza. É meu avô.

Durante o dia de hoje, várias fábulas e alegorias passaram por minha cabeça. De manhã, como a semana de provas (que dura mais de uma semana, diga-se) me impediu de arranjar tempo para visitá-lo na UTI enquanto tinha consciência de si e dos demais. Mas acima disso, como o estudo não passava de um escudo para fugir do fato que deveria sim ter ido. Não importa o que fizesse. Uma capa para me camuflar do óbvio ululante: sou uma pessoa ruim. No mínimo, para abusar do eufemismo, um neto ruim.

De tarde, o visitei no hospital. Ou melhor, o vi por uma janela, sem poder me aproximar mais, e mesmo se pudesse ele já não teria noção disso. Depois da visita, o jogo do Vasco. Assisti normalmente.

Assim que acabou — e digo realmente “assim”, numa dessas coincidências do universo — o telefone tocou. Não anunciando a morte, pois ela sequer é oficial no momento, mas falando que ela viria. E bem em breve.

De noite, pensativo, entre certas lágrimas, com outras pessoas em situações aparentes mais ou menos próxima.

Dizem por aí, entre tantos ditados populares que se contradizem, mas também não pródizem nada, que “não adianta chorar pelo leite derramado”. Enquanto chorava, percebi que essa sabedoria popular não estava errada. Apenas é sem ponto.

Ninguém chora pelo que se foi. Choro por o que não foi e por o que poderia ter sido.

Choro por pensar no futuro, em que ele não estará. Um vazio numa família que até então estava completa, no sentido de “pais e filhos” (no meu caso, avôs, tios e pai).

Choro porque não fui um bom neto. Poderia ter sido.

Eu, ao longo de minhas divagações dignas de olhar para o vazio e contar os azulejos do banheiro, gosto de pensar que não adianta lamentar o que eu não fiz. Digo, “se pudesse voltar ao passado e fazer diferente, você faria?”. Não. Mesmo que tenha sido uma escolha ruim. Pois se eu não a fizesse, não seria eu.

Agora, teria problema se não fosse eu? Enfaticamente, não. Outras sete bilhões de pessoas não são eu. E estão aí vivendo.

Mas eu, enquanto eu, quero continuar sendo eu. Pois se eu deixar de seu eu, eu não existiria. E daí pra frente é o raciocínio lógico do ser vivo: prezar por sua existência.

Pois bem, eu fico triste por algo que poderia ter sido, ao mesmo tempo que não me arrependo por algo que eu fiz pois se não fizesse não seria eu, e eu quero continuar sendo eu. O que isso quer dizer? Honestamente, nem eu sei. Ainda gosto de mim, talvez seja um processo natural de reconhecimento de erros, para então lidá-los e retirá-los. Talvez algum ponto do raciocínio esteja errado. Talvez ambos. Talvez nenhum e a vida seja simplesmente contraditória.

Não sei. Só sei que foi assim. Mas talvez deixe de ser.

No hospital, na parede ao lado da porta de entrada das UTIs, o papel de parede exibia a frase: viver e não ter a vergonha de ser feliz. Imediatamente me lembro do restante da música de Gonzaguinha. Em especial, do trecho “eu sei… Eu sei! Que a vida devia ser bem melhor e será! Mas isso não impede que eu repita… É bonita, é bonita e é bonita!”.

Como contraponto, me vem à mente a canção Paisagem, de Emicida. “É louco como adianta pouco, mas ore. Com sorte, talvez piore. Não se iluda, pois nada muda. Então só contemple as flores”

A vida é boa e será ainda melhor. A vida é tão triste que, se dermos sorte, piorará. Qual dos dois mantras seguir? Novamente, não sei. Mas tenho a sensação que essa é a graça da vida. Ou talvez eu esteja apenas sendo poético demais.

Mas bem, posso comemorar que estou não-triste o bastante para conseguir imaginar algo de positivo. Ou ao menos externar. Mas hoje, uma noite de Lua cheia, tão linda e impotente como a Lua é mensalmente no céu, consegui pensar: “até mesmo a foto de um céu escuro mostra uma Lua nova”. Achei a frase bonita. Talvez eu esteja sendo poético demais. Tomara que esteja compreensível além de minha mente e suas ideias organizadas dentro de um caos muito aconchegante mas espinhoso que formam o eu.

Dentro dessa dicotomia de confusões e milhares perguntas sem respostas e até mesmo sem perguntas, encerro o texto por aqui. Puro desencargo de consciência. O agradeço não por me deixar mais feliz, mas pelo menos mais leve.

Descanse em paz, vô. O senhor com certeza foi um grande homem. Desculpa por não permitir que diga o mesmo.”