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Foto: Reprodução

Clodoaldo Cadete é médico e apaixonado por fotografia, ele me recebeu em sua residência para um bate papo sobre saúde e a magia do universo fotográfico.

BM: O seu sobrenome Cadete, inclusive, é uma marca patrimônio de seu pai que acabou virando sua também. 

CC: Realmente o sobrenome Cadete, falo sempre que usei o nome e nem pago direito autoral (risos). Na realidade, muitos não sabem mas Cadete é um apelido, a pouquíssimo tempo fui ao judiciário e pedi para incorporar essa “marca”, já que ninguém queria me chamar pelo nome e eu também.

BM: Interessante que seu pai é um dos grandes profissionais da fotografia aqui e hoje você também é um exímio fotógrafo que a todo instante está registrando o cotidiano das pessoas e da cidade. 

CC: O amor à fotografia,eu tenho, pois, nasci dentro de um foto (laboratório). Primeiro foto de meu pai foi em Jaguaribe, no Ceará. Eu nasci dentro desse ambiente de trabalho que era a própria casa dele e cresci vendo meu pai fotografar e carregando as máquinas. Trabalhei com ele até ir para a universidade, durante o período universitário fazia alguns bicos com ele e voltei apaixonado pela fotografia. Minha especialidade é fotografar momentos instantâneos, o que chamo de fotografar o cotidiano. Não me considero um grande fotógrafo, mas sim, um oportunista em registrar o dia dia das pessoas. Para minha surpresa, a área que escolhi na medicina fotografa as pessoas por dentro, ou seja, os bebês no útero da mãe. Então trabalho numa área que gosto e amo que é a fotografia seja na profissão ou lazer.

BM: Você imagina quantos registros fotográficos você já fez?

CC: Nunca contei não, mas, um dia vou contabilizar as que tenho guardadas. Muitas a gente vai jogando fora porque são fotografias ruins e algumas delas realmente não valem a pena serem mostradas. Mas, se tem uma coisa que realmente tenho bastante são registros fotográficos.

BM: Além dessa paixão pelo universo da fotografia que outro hobby você tem?

CC: Meu hobby é estar com os amigos e minha família e em segundo lugar gosto muito de viajar, conhecer novas culturas e estudar alguns temas específicos da minha área que me apaixona também. Agora mesmo quando você chegou, estava estudando, voltei a ser estudante, faço mestrado e doutorado juntamente com mais 20 colegas aqui de Vitória da Conquista, pela Uesb, em parceria com uma nova faculdade de Lisboa. Isso apaixona porque é o conhecimento, assim como dar aula que me mantém obrigatoriamente atualizado.

BM: Com sua profissão você já ajudou inúmeras mães a colocarem seus filhos no mundo. Qual a emoção, mesmo com toda sua experiência?

CC: É sempre uma emoção, acho o momento do parto sensacional. Confesso a você que uma das coisas que me davam bem estar é quando ia para o hospital e voltava durante a madrugada já amanhecendo o dia, após ter feito o parto, ver aquele amanhecer naquele momento é uma das coisas que sempre vou guardar. Hoje por alguns problemas de saúde, pois, tive alguns com as noites perdidas, não realizo mais partos, faço atendimentos, trabalho como médico e continuo cuidando dos bebês na barriga da mãe, agora o compromisso de ir realizar o parto, eu não procedo mais, até porque viajo muito por conta das aulas e congressos. Eu me abdiquei de fazer o parto, mas, sinto muita saudade porque é uma sensação sempre de dever cumprido ao terminar de realizar o procedimento.

BM: O avanço da medicina, por exemplo, me recordo da minha filha que está gestante e você fez todos os exames para ver se o feto está direito e todos os procedimentos para atestar a saúde do bebê e vejo que na nossa época as mães deviam sofrer bastante para dar à luz. Como você separa essas duas situações e esses dois momentos em épocas distintas?

CC: Eu tenho trinta e um anos de formado, quando comecei o ultrassom estava começando e não se via o bebê como hoje. Muitas vezes realizávamos os partos sem nenhum conhecimento do que viria ali dentro da barriga, às vezes tinha muita má formação fetal por conta dos equipamentos antigos e que não víamos. Hoje, com avanço da tecnologia você tem uma medicina que acompanha esses avanços e já é possível visualizar o bebê por completo. Temos uma tecnologia chamada HD life, onde você pode tirar uma foto que parece igual ao momento que o bebê está fora da barriga da gestante. Óbvio que não conseguimos em todos os casos pois depende da posição do feto e idade da gestação também. A medicina evoluiu bastante, antigamente fazíamos bem o exercício da profissão, mas, éramos limitados por conta desse não avanço. Atualmente se tem tantas novidades na área médica que faz com que a ansiedade da mãe diminua mantendo também um parto seguro, e o  médico fica mais confiante porque ele tem um aliado ao seu lado que é um conhecimento tecnológico aceito mundialmente.

BM: Você nesses anos de profissão dá para descrever a sensação de uma mãe que gerou um filho, porém, sem vida? Qual o semblante dela?

CC: O semblante é de luto, uma coisa muito triste e um silêncio total. É um velório como qualquer outro e o fato de ser um feto não afasta o luto tanto que tem mulheres que abortam no início da gravidez e o sentimento delas é realmente a perda de um filho. Algumas delas quando sabem que estão grávidas e descobrem o sexo do bebê logo já colocam o nome. A partir daí elas vivem intensamente essa relação com esse filho, vivem esse momento e choram nessa situação. E a gente tem que deixar esse tempo com elas. A contribuição da ultrassonografia foi trazer o bebê para o centro da discussão e trazer o pai para mais próximo do acompanhamento da gestação porque, logo que me formei a gente só conhecia o pai na hora do parto. Com esses avanços que possibilitaram acompanhar e descobrir o sexo do bebê muitos pais querem ir aos exames acompanhar suas esposas. A gravidez virou dessa forma uma grande festa e isso que realmente propõe esse momento. Esses exames também permitiram que o bebê com má formação seja melhor aceito não se tem mais aquele impacto que era um nascimento de um bebê, por exemplo, com down, que é um bebê perfeitamente normal, apenas com um atraso em seu desenvolvimento que poder ser melhorado com uma estimulação precoce.

BM: Cadete, porque costumam serem tão dóceis essas crianças especiais?

CC: Eu costumo dizer que elas são especiais, e são desta forma não porque são diferentes, mas sim, pelo fato de serem carinhosas, amadas e são muito amáveis, parece que faz parte da própria síndrome como se fosse uma coisa congênita. Todas as mães ao saberem que vão ter um filho down, de início ficam chocadas após alguns anos quando voltam ao consultório elas declaram que aquele filho é a vida delas porque eles unem todos ao seu redor, inclusive a família. Já li algo a respeito de empresas que recrutam e contratam esses pacientes portadores de down porque eles são fiéis realizando o trabalho da forma exata como se é pedido.

BM: O que leva na verdade o casal a ter um filho com síndrome de down?

CC: O que acontece é o envelhecimento do óvulo ou do espermatozoide. Em 90% dos casos, do óvulo, geralmente é uma mulher que já veio com óvulo formatado na gravidez. Quando uma mulher nasce ela tem um milhão de óvulos, dentro da barriga da mãe ela tem seis milhões de óvulos que teoricamente gerariam seis milhões de pessoas, e quando ela menstrua a primeira vez ela tem 400 mil em média, isso corresponde a quatrocentas menstruações  em toda sua  vida, porque cada menstruação leva cerca de mil óvulos. Esse óvulo sendo disposto já está pré-moldado desde aquela época dentro da barriga, então ficou no congelador por muito tempo. Alguns deles têm um defeito que pode causar o bebê com síndrome de down, quando junto ao espermatozoide. E acontecem com mulheres em idade mais avançada que demoraram a usar os óvulos. Acontecem casos também com mulheres mais novas, porém, mais raros. Por isso que para as mulheres é melhor se pensar a gravidez antes dos 35 anos período em que os óvulos ainda estão muito bons.

BM: Em algum momento você presenciou a mãe com sentimento de repulsa ao saber que o filho (a) poderia nascer com a síndrome?

CC: Nunca tive nenhuma paciente que teve repulsa para isso, já tive em homens, os pais, que acabam sendo vencidos. Mas a mãe por ser um bebê que está dentro dela é muito difícil que isso aconteça. Após realizarmos os exames e dentro da própria gravidez existe um trabalho que esse homem começa a se conscientizar. Um dos diagnósticos que a gente faz  aproximadamente no terceiro mês de gravidez é um exame chamado translucência nucal, que mede a nuca desse bebê. Quando ele está alterado existe uma probabilidade de o indivíduo vir com síndrome de down e para se ter a certeza você furava a barriga da gestante e tirava um pouco da placenta ou do líquido amniótico e mandava para análise. Há mais ou menos cinco anos uma parte dessas mulheres não queria fazer esse exame porque queria o filho do jeito que viesse. A própria mídia tem ajudado bastante através de matérias e programas de televisão que esclarecem sobre os portadores dessa síndrome. O paciente com down tem sua independência, sua sexualidade, casam entre si e tem sua liberdade não vivendo à margem da sociedade como muitos pensavam.

BM: Cadete, vi algo recentemente sobre um caso de um homem com 40 anos e uma namorada de apenas 11 anos e grávida. O que pode acontecer com essa garota e esse bebê?

CC: Isso é horrível porque ela está queimando várias etapas de sua vida. Biologicamente uma mulher pode engravidar na primeira ovulação que tiver, mas pela regra da nossa sociedade não é normal que uma garota de onze anos esteja nesse estágio até porque nessa idade ela deveria estar na escola e vivenciando coisas comuns a faixa etária dela. Numa gravidez é preciso que o corpo esteja já preparado a fim de se manter e se ter uma gestação sadia  e uma menina com essa idade já gestante acaba “estragando” o seu organismo precocemente.

BM: Quais os malefícios que podem levar o álcool e o cigarro para gestante e o seu bebê ?

CC: O cigarro é terrível porque além do comprometimento da saúde podendo levar ao câncer de pulmão, ele produz uma diminuição do fluxo sanguíneo para o bebê. Então um dos problemas é a restrição de oxigenação e nutrientes para o feto. Ele pode nascer com diminuição de peso e alguns defeitos do metabolismo em decorrência dos nutrientes que faltaram por conta do fumo durante a gravidez. Já o álcool causa restrição de crescimento, distúrbios neuronais e psicomotores.

BM: Você falou que um de seus hobbies é viajar evidentemente pela diversão e também para aprofundar seu conhecimento profissional. Como você próprio confessou, não é?

CC: Eu gosto muito de viajar e vou a muitos congressos e aproveito alguns deles para dá uma esticadinha de dois ou três dias.

BM: Mesmo assim Vitória da Conquista é uma cidade que lhe satisfaz?

CC: Muito, falo para todo mundo que não troco Vitória da Conquista por lugar nenhum. É uma cidade maravilhosa e que tem coisas que nenhum outro lugar tem, a exemplo do clima, que é bastante peculiar.

BM: Nós temos uma medicina avançada aqui na cidade principalmente a privada porque a da rede pública como em todo país ainda carece de mais investimentos e reparações. Mas, a medicina privada é bastante forte. Você a vê desta maneira?

CC: Ela é forte, porém, ainda falta muita coisa. Porque ainda não temos um leque de opções, pois, a medicina é cara e precisa de investimento público também. Na parte de oncologia que é uma área de alta complexidade e nós precisamos do poder público para funcionar não podemos ficar atrelado só à esfera privada. A área de radiologia de grande porte, por exemplo, precisa desse incentivo público para se manter atuante. O problema da saúde é que ela é altamente custosa. O governo mesmo em alguns casos opta por um procedimento mais barato até por não dispor financeiramente do dinheiro para o recurso exigido. Nossa população também ainda é muito pobre e muitas vezes não consegue custear a manutenção ou aquisição desses equipamentos.

BM: Você acredita que existe uma solução bem perto da gente para que isso mude em todo país? Depende da gestão ou de alguma coisa macro que precisa ser feita?

CC: Acho que precisa de uma mudança macro, tem que vir investimentos para o estado e os municípios. Recebi da Associação Brasileira de Obstetrícia e Ginecologia da Bahia (SOGIB), a informação que o Hospital Santo Amaro, em Salvador, referência em parto fechou as emergências recentemente. O governo só fechou maternidades, você chega e vem fazer um parto aqui em Vitória da Conquista e muitas vezes é um sacrifício não tinha vaga nem mesmo em hospitais privados. Em São Paulo foram várias maternidades públicas fechadas e na Bahia também.

BM: Se houver um critério de gestão para a saúde pública é possível fazer uma medicina que assista e atenda às demandas que temos no país?

CC: Não é só a medicina que tem que melhorar, mas o social como todo. Porque os hospitais só andam lotados? Tem que ter políticas públicas para evitar isso. Agora mesmo  temos um problema sério, a zika juntamente com a microcefalia que são bebês que estão com o diâmetro da cabeça diminuto não crescendo adequadamente. Eles vão nascer e terem problemas neurológicos.  Então é preciso combater o mosquito aedes aegypti, e para isso precisamos conscientizar essa população e o governo dar assistência para que essas pessoas possam sair da miséria em que se encontram.

BM: O que é caro na medicina, são os equipamentos, medicamentos ou custo com os médicos?

CC: Tudo é caro na medicina, até a nossa formação. Os cursos, as especializações e os equipamentos todos custam bastante caro. Os custos operacionais aumentaram muito e nós não podemos fazer os repasses pelo plano de saúde, pois o governo proíbe, e para população não daria porque ela não suporta.  Ela é cara por isso por esse conjunto de fatores.

BM: O Cadete médico pensa em voltar a realizar partos?

CC: Estou pensando em voltar e eu gosto muito disso vai depender apenas de minha saúde.