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Conheci o professor Belarmino de Jesus Souza nos anos 80, ali já despontava o jovem idealista, inteligente e uma promessa acadêmica que continuaria a história de grandes nomes da inteligência de Vitória da Conquista que muito orgulha todos nós. Belarmino, sem dúvidas, faz parte de um celeiro de intelectuais que representam o saber da nossa cidade. Como exemplo podemos citar Nilton Gonçalves, Camilo de Jesus Lima, Mozart Tanajura, Everardo Castro, Orlando Leite, Rui Medeiros, Esechias Araújo, Heleusa Câmara, dentre outros, que formam uma verdadeira seleção de nomes que respiram cultura e inteligência.

Saindo da Praça do Cajá, onde residiam meus pais, encontrava com Belarmino na Avenida Integração, naquela esquina onde funcionava a Cambuí, hoje a Hyundai, para juntos descermos até a Praça Barão do Rio Branco, onde aconteciam as grandes concentrações políticas daquela época. Com a bandeira vermelha do PT e da CUT, ele já expunha as suas ideias progressistas em defesa da classe trabalhadora e dos estudantes. E ele sabia da nossa diferença partidária, eu fazia parte do MDB de Pedral, Raul, Tião, Murilo, Jadiel, Elquisson Soares e tantos outros.

Não obstante as diferenças, sempre foi uma relação sadia e respeitosa, foi e continua sendo, minha admiração pelo professor aumenta a cada dia. E a cada dia que passa aumenta a bagagem do ilustre entrevistado de hoje no nosso blog.

A seguir a nossa conversa com o ilustre professor que apresenta o seguinte currículo: Graduado em História – Uesb (1992); Mestre em Ciências Sociais – PUC-SP (1999); Doutor em História Social – Ufba (2010) e; Pós-doutor em Ciências Políticas e Relações Internacionais – Universidade de Évora (2015).

BM: Belarmino, é um prazer e uma honra conversar com você através do nosso blog:

Professor Belarmino: Eu fico muito honrado com o  convite.

BM: Quando ainda menino, você começando os seus primeiros passos na escola, sentado numa cadeira de escola pública, passava pela cabeça chegar onde chegou e também participar de tantos trabalhos na área dos estudos?

Professor Belarmino: Pedro, já foi escrito pelo Padre italiano Arturo Paoli: “caminhando se abre caminho”. O nosso horizonte  vai se ampliando em possibilidades na medida em que andamos. A trilha profissional foi aberta por duas mestras, as professoras Núbia e Edna, que tiveram a coragem de contratar um jovem de 21 anos para ministrar aulas no  Instituto São Tarcísio em 1988.

BM: Recentemente você esteve em Portugal, passou um bom tempo por lá. Qual foi mesmo a sua missão naquele país, qual a experiência adquirida e o que somou para a sua vida intelectual?

Professor Belarmino: Meu primeiro contato com Portugal e seus arquivos foi em 2007 quando fui encontrar minha esposa, que  lá ficou 6 meses na época do doutoramento  pesquisando nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo sobre o Tribunal do Santo Ofício. Naquele ano passei 3 meses compilando documentos do Arquivo Oliveira Salazar relativos ao Brasil. Entre 2011 e 2018 sempre retornei, fiz três catálogos dos documentos relativos ao Brasil contidos nos Arquivos de Oliveira Salazar, Marcello Caetano e do Conselho da Revolução. Participei de eventos no Porto, Lisboa, Évora e Sevilha, bem como, contribuí em algumas publicações com artigos. Entre 2014 e 2015 fiz o pós-doutoramento em Ciências Sociais e Relações Internacionais na Universidade de Évora.

BM: Conquista sempre foi uma cidade de grandes intelectuais e estudiosos. Temos um legado de grandes mentes pensantes, você destacaria alguns nomes que continuam trilhando por esse caminho e que nem sempre são do conhecimento da nossa sociedade?

Professor Belarmino: No passado grandes autodidatas e uns poucos que podiam sair para estudar nos grandes centros  brilharam em nossa terra. Não  apenas com a criação da Uesb e posteriormente de outras instituições de ensino superior, mas especialmente com maturidade que veio ao longo dos últimos 40 anos, com a criação dos cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado) e as pesquisas decorrentes  nossa cidade foi transformada em um celeiro de produção de conhecimentos. Citar uns, seria inevitavelmente injustiça com outros, mas tem muita gente a produzir ciência em nossa cidade.

BM: Você é do berço da nossa Universidade Estadual da Bahia, a UESB. Dali surgiram grandes nomes que contribuíram e ainda contribuem com o desenvolvimento da nossa cidade e região. O que representa aquela instituição para todos nós? Podemos afirmar que existem duas Vitória da Conquista, antes e depois da UESB?

Professor Belarmino: A Uesb tem sido nos últimos 40 anos espaço de produção e difusão do conhecimento, vanguarda na transformação de nossa cidade em um centro universitário. Existe também um impacto econômico relevante como demonstrou o livro do professor Roberto Paulo Machado Lopes: Universidade pública e desenvolvimento local – uma abordagem a partir dos gastos da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

BM: Professor, vivemos uma situação de polaridade no país, os nervos estão à flor da pele. Atravessamos um momento de crise econômica, de saúde e também política. Com a sua experiência e visão de mundo, nós temos saída? É possível vislumbrar o futuro melhor para o nosso povo?

Professor Belarmino: O Brasil com sua história marcada pelas desigualdades sociais e profundas injustiças nunca foi uno, nenhuma formação social o é, mas as nossas desigualdades são tão profundas que agrava as nossas divisões. A atual crise pandêmica revelou em tons marcantes o nível exclusão social do nosso país, basta ver o número expressivo de cidadãos e cidadãs que recorreram ao auxílio emergencial. Temos belos exemplos de solidariedade e humanismo,  porém também vemos a falta de empatia e desprezo pela vida humana. Teremos sem dúvidadas uma “nova normalidade”, o que irá prevalecer?

Nestes dias, a polarização chegou ao absurdo de tratar de forma ideológica prescrição de medicamentos e posicionamentos frente à orientação de médicos e cientistas. Chegou a ser divulgado por uma autoridade federal: Se você é de direita toma um medicamento, que segundo as autoridades médicas e científicas tem resultado limitado e sérios efeitos colaterais, se você é de esquerda não toma. Isto é uma estupidez, é uma questão de ciência médica e  defesa da vida, não deve ter coloração ideológica. A crise pandêmica está a revelar de forma explícita como nunca as nossas mazelas, divisões e contradições, torço para que  ocorra por parte da nossa sociedade uma melhor percepção de si mesma e que isso abra caminho para transformações profundas.

BM: Sempre ouvimos que vivemos em um país democrático, onde o povo é que escolhe os seus governantes, portanto, os eleitos deveriam cumprir os seus mandatos, mas o que vemos são presidentes sendo depostos. São vários os casos recentes, dentre eles, qual a diferença em cada um dos momentos? Vale lembrar que o atual presidente já experimenta o fantasma do afastamento.

Professor Belarmino: Esta resposta demandaria  tempo e um espaço maior. Cada afastamento teve o seu contexto histórico, em comum em todos os casos temos os seguintes elementos:

a) Perda ampla ou relativa da base social;

b) Incapacidade ou impossibilidade de manter uma base parlamentar estável;

c) Oposição explícita ou velada da elite econômica e política estabelecida, nesse bloco além de grupos políticos, setores empresariais, judiciário e até a imprensa.

É uma combinação desestabilizadora que no passado inviabizou permanências e que agora volta a aflorar…

BM: Você exercitou durante muito tempo a política partidária, imagino que tenha afastado um pouco devido os seus compromissos acadêmicos, mas Vitória da Conquista poderia contar com o professor Belarmino em algum instante, como um nome para ser votado ou mesmo para contribuir com o seu conhecimento em algum governo futuro?

Professor Belarmino: Desenvolvi ao longo da caminhada princípios éticos e morais que somados aos referenciais teóricos e metodológicos da atividade acadêmica específica (história é ciências sociais) servem de lastro para o meu posicionamento político que  determina os meus apoios e oposições, mas para por aí minha atuação. Não serei candidato, nem exercerei cargos.

BM: Professor, diante desse quadro inusitado que vivemos, do caos na saúde, já vínhamos com a nossa economia cambaleante. O que você diria em relação ao futuro, o que teremos pela frente, seremos melhores, nos acomodaremos melhor no planeta?

Professor Belarmino: O quadro da crise pandêmica ao que parece tem suscitado reflexões e aprendizados. Como muito foi dito: viveremos um “novo  normal”. Os  cuidados sanitários serão imperativos, novas formas de relações interpessoais serão desenvolvidas. O modelo de gestão neoliberal  ou ultraliberal (Escola Austríaca) receberam um xeque-mate, o desmonte das políticas públicas na saúde e educação empreendido por estes modelos gestores nos últimos anos se revelou trágico frente à crise pandêmica, em todo o mundo sistemas públicos de saúde e de institutos de pesquisas foram fundamentais para a o enfrentamento da covid-19, onde não existe ou é precário a letalidade foi maior. A recuperação da economia e do conjunto da vida social requesitará presença efetiva do Estado. Os planos de recuperação que estão a surgir na Europa e em outras partes do mundo têm apontado para esta mudança de paradigmas, talvez algo semelhante ao que foi realizado após a II Guerra Mundial. Considero salutar a leitura do livro lançado em abril por Boaventura de Sousa Santos: A cruel pedagogia do vírus. Está disponível na internet.

BM: Como nos bons tempos, eu gostaria muito de encontrar com o amigo em frente à Cambuí e seguirmos juntos para a Praça Barão do Rio Branco, onde assistiríamos verdadeiras aulas de política e história.

De qualquer sorte, só me resta agradecer pela conversa fraterna que tivemos aqui no nosso blog. Grande abraço, caro amigo!

Professor Belarmino: Caro amigo, diante das impossibilidades impostas pelo isolamento social, passo a valorizar ainda o convívio social, o sol no rosto e o pé na estrada. Mas já lhe disse: vai passar e teremos histórias pra contar. Fraternas saudações.