Fim, por Marco Jardim

Prezados leitores do Blog do Massinha, peço a permissão de vocês para publicar mais um poema espetacular de Marco Jardim, esse poeta de sensibilidade rara, figura icônica, inteligente e profundamente culto. Esse talento, aliás, vem de berço. Está no DNA. Sua mãe, a querida Elvarlinda Jardim, também é dona de uma sensibilidade notável.
Publico hoje o seu mais recente poema, intitulado “Fim”. E faço isso convidando todos que nos honram com a leitura, com a audiência e com a interação diária em nosso blog, a refletirem sobre a força e a beleza dessa escrita.
Marco não é uma promessa. Marco é uma realidade. Mas, diante da sua juventude, sabemos que ainda há muito a amadurecer, a criar e a oferecer à literatura. Tenho absoluta convicção de que, em breve, ele se tornará um escritor reconhecido, de densidade intelectual e poética, e que o Brasil passará a conhecê-lo como merece.
Marquinho, parabéns. Muito grato pelo envio.
Segue agora, para os nossos queridos leitores, essa escrita intitulada “Fim”:
“FIM
Quase tudo — desde que o tudo tenha extremidade no tempo e no espaço — chega ao fim.
O fim de semana, o livro, o amor do ano, as solas dos meus sapatos.
Ergam-me, pois, à imensidão: meu fim chegou!
Ao menos nas roupas gastas, no perfume característico, nas moedas no bolso da camisa de botão.
Fim do homem, por assim dizer.
Ou a finalidade de ser no fim da taça de moscatel.
Sem mais propósito de ser bípede, mamífero de espinha ereta, ou viver de bater a testa, levito.
Neste frame de segundo, sem engajamento das redes sociais.
Assisto à minha passagem, desprendo-me dos gestos, pressão, tédio, Toddy.
Jogo fora as meias rasgadas, o bilhete do cinema, as férias, a viagem à Europa, os aplicativos de encontros equivocados.
Não sei bem onde estou: dentro ou fora de algum lugar.
Saio nu e vivo dois dias demarcados: sexta e sábado, aqui ou ali, no que julgo sentir.
No último, levantei apenas para responder bilhetes coloquiais.
(Circum)naveguei _post-its_ coloridos para anotar faces e nomes amados.
Cantarolei Lô Borges com os _headphones_ e o gosto de sol que não provei.
Talvez seja este o sempre mais finito que mereço.
Tão nobre quanto os gatos sobre as telhas.
Noite adentro, miam em prolongado lamento, quebrando até o poético sopro da brisa do amanhecer.
Morte misteriosa esta do repouso do dia: fechou até meus olhos, cansados dos cento e tantos anos.
Imobilidade definitiva.
Exerço, enfim, o direito de ser estranhamente culto.
Ou mandar todo o mundo efêmero tomar no _cult_ .
Vida passageira a das palavras vulgares, feito pétala de laranjeira.
Cansei. Terminou.
Perdi as fotos de família, de amigos, de cenas do cotidiano, as fáceis de esquecer.
Mais uma noite do ano encerrada sozinho, às 4h da manhã.
Exploro outros mundos com as mãos, vou a lugares onde ninguém antes esteve.
Nem que seja aquela antiga rua que me deteve no fim de linha declarado (a morte me cairia bem?).
Nem sei mais quantas almas terei na rasteira do tempo.
Porque a vida teima, insiste.
A vida continua.
Marco Jardim”
















