"Os espaços públicos precisam ser repensados e a situação das praças também precisa entrar na discussão"

“Os espaços públicos precisam ser repensados e a situação das praças também precisa entrar na discussão”

Por Fabio Sena

Recém-eleita, por aclamação, presidente do Conselho Municipal de Cultura de Vitória da Conquista, a múltipla artista Luiza Audaz tem consciência dos desafios que a aguardam nesta tarefa de conduzir o debate sobre políticas públicas de cultura para uma cidade cujos equipamentos culturais estão “na sala de emergência”, segundo ela fez questão de frisar nesta entrevista exclusiva ao Diário Conquistense, com o qual tratou de diversos assuntos ligados à cultura.

Bem articulada e demonstrando conhecer o território que pisa, Luiza Audaz quer desdobrar sua experiência de dois anos como delegada setorial do audiovisual e “ser um instrumento para equilibrar as decisões que tomaremos em coletivo e que afetarão diretamente os próximos passos da política municipal de cultura”. Formada em Cinema e Audiovisual pela UESB, Luiza Audaz destaca a urgência, por exemplo, de uma frente organizada em defesa da reforma do Centro de Cultura.

Cantora e compositora, filha e irmã de artistas, Luiza Audaz conhece de perto o significado da palavra oportunidade, e o que significa a ausência desta para os artistas das diversas linguagens em Vitória da Conquista. “Cada ‘não’ e cada porta fechada no campo da cultura em nossa cidade me fez perceber que um pensamento político precisava ser desenvolvido e que a militância por espaço e direitos deveria atravessar todo o meu caminho”, afirmou a presidente do conselho.

Abaixo, a íntegra da entrevista.

DIÁRIO CONQUISTENSE: Quem é Luiza Audaz?

LUIZA AUDAZ: Filha de artistas, irmã de artistas, soube bem, desde cedo, o que é transitar na subjetividade e sensibilidade do campo das artes em contraponto com as demandas práticas da vida. Dinheiro para se manter, espaço para se apresentar, apoio para seguir. Vi desde cedo que nada para nossa classe é simples. Aprendi, no entanto, que devemos seguir com dignidade e cabeça erguida para desenvolver nossas potencialidades e mesmo sabendo do contexto complicado do fazer artístico no interior do Estado, me embrenhei na música assim como me formei no cinema e no audiovisual. Neste percurso nenhuma das batalhas foram fáceis, nem como artista, nem como mulher. Cada “não” e cada porta fechada no campo da cultura em nossa cidade me fez perceber que um pensamento político precisava ser desenvolvido e que a militância por espaço e direitos deveria atravessar todo o meu caminho. Terminei o curso de cinema e audiovisual enquanto desenvolvia o trabalho autoral com música que venho realizando desde os 15 anos de idade. Adentrei o campo das políticas públicas quando há dois anos me informei que a região sudoeste da Bahia ficaria sem representante no Colegiado Setorial das Artes no âmbito do audiovisual, ligado à Secretária de Cultura do Estado, por falta de articulação e quorum para que algum representante setorial fosse eleito. Diante da situação mobilizei os alunos do curso de cinema da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e alguns amigos, lançando a candidatura para ocupar tal espaço, garantindo que o território sudoeste tivesse alguém que levasse as demandas e necessidades do interior do Estado no âmbito das políticas públicas para cinema e audiovisual. Após ser eleita, passei pela missão nos últimos dois anos de desenvolver junto aos demais colegas representantes dos territórios baianos o Plano Setorial do Audiovisual da Bahia que dispõe sobre estratégias e ações quanto ao fomento, incentivo, preservação, difusão, formação e financiamento sustentável do audiovisual baiano. Tal documento, que está para ser homologado em maio, tem ampla possibilidade de se efetivar como política pública para o setor compondo o Plano Estadual de Cultura da Bahia. O passo que se seguiu nessa ainda recente trajetória foi a candidatura para representante da sociedade civil no Conselho Municipal de Cultura da cidade, lugar conquistado junto a todo um coletivo de vozes que confiaram a mim o papel de interlocutora com o governo municipal. A responsabilidade é grande assim como o desejo de contribuir para o desenvolvimento do Plano Municipal de Cultura e das tantas demandas que permeiam o campo da cultura em nossa cidade.

DC: Você foi aclamada presidente do conselho de cultura… O que você espera constituir nesta gestão?

LA: O Conselho Municipal de Cultura no formato atual é extremamente recente, pois, está amparado na Lei Orgânica de Cultura que prevê a criação de conselhos municipais de cultura em caráter deliberativo e consultivo. O município aderiu a esta lei no ano passado e o Conselho está em fase de constituição, tanto de seu regimento, como do Plano Municipal de Cultura. Enquanto presidente desta gestão, espero aproveitar o conhecimento que adquiri nos últimos dois anos como delegada setorial do audiovisual e ser um instrumento para equilibrar as decisões que tomaremos em coletivo e que afetarão diretamente os próximos passos da política municipal de cultura.

DC: Você diria que há alguma prioridade nesse início de gestão, como por exemplo uma mobilização em defesa da reabertura do Camilo?

LA: O que tem se discutido no Conselho com os demais representantes certamente é a urgência em fortalecermos uma frente organizada em defesa da cultura local no sentido de acompanhar e fiscalizar, por exemplo, demandas como a reforma do Centro de Cultura. Outro ponto que nos foi passado pelo ex-prefeito Guilherme Menezes, que informou através de carta aos conselheiros sobre o acompanhamento do projeto da Casa Glauber. O desenvolvimento do Plano Municipal de Cultura e a inauguração do Canal da Cidadania na cidade também são urgentes, muito provavelmente os conselheiros formarão comissões para dar conta destes e de outros tópicos.

DC: O que o conselho pode fazer para assegurar efetivamente que políticas públicas culturais sejam realizadas?

LA: Sabemos que tudo depende sempre da vontade política do Governo, mas, dentro das atribuições do Conselho, o primeiro passo para que isso seja assegurado é o desenvolvimento do Plano Municipal de Cultura, pois nele estarão as diretrizes, estratégias e ações que devem ser desenvolvidas para todas as linguagens artísticas, e executadas pela gestão municipal. Este é um trabalho complexo e demorado, que precisará de estudiosos, artistas e pesquisadores das artes para que se desenvolva democrática e coletivamente junto ao Conselho. Aliado a isso também é necessário um acompanhamento estreito com a Secretaria Municipal de Cultura das ações que estão previstas para este mandato, pois no Conselho há o papel de interlocução com a sociedade civil e com o governo, levando demandas, propondo e informando a população sobre os caminhos que serão abertos e o que vem sendo realizado pela Secretaria. O quem temos visto até então é que o contato e diálogo tem sido de livre acesso com a secretária Tina Rocha o que facilita a ação do Conselho junto à secretaria de Cultura. Neste âmbito é necessário compreender que o papel do conselho também é de fiscalizar as ações tomadas pela gestão municipal, assim como, ser consultado sobre os parâmetros que serão adotados nos próximos anos no campo da cultura.

DC: Na sua área especifica, do audiovisual, o que pode ser feito?

LA: Como representante do eixo de artes visuais espero que a partir do desenvolvimento do Plano Municipal de Cultura possamos pensar de forma mais consciente nos editais específicos para cada área, pois esta importante ação precisa ocorrer a partir de pesquisas em cada setor. São decisões muito importantes que precisam ocorrer com cautela e análise. O mercado de audiovisual local, por exemplo, precisa começar a ser mapeado. É preciso que haja uma noção de quantos profissionais estão no mercado, quantos estão se formando e principalmente ouvir quais são suas demandas. No Fórum de Artes Visuais ocorrido no dia 6 de Abril pudemos discutir a criação de um sindicato dos trabalhadores do audiovisual, assim como a possibilidade de convênios com a prefeitura e com autarquias federais para a criação de editais municipais para cinema. Há preocupação também quanto a Casa Glauber e o projeto do Polo de Cinema escrito por Orlando Senna e que vislumbrava o desenvolvimento de um mercado local potente e articulado. O Cine Madrigal também está na pauta ante uma série de outras questões que serão colocadas ao longo desta gestão.

DC: Qual o papel do poder público nesta seara cultural e qual o papel da iniciativa privada?

LA: Esta ainda é uma articulação frágil em nossa cidade. Apoio privado para projetos culturais só começarão a ser realizados verdadeiramente depois que a própria secretaria de Cultura propor parcerias e a partir desta mediação abrir projetos para os artistas locais, projetos mistos, com o apoio da prefeitura e do privado. Creio que essa mediação política partindo de dentro da gestão pública pode obter mais sucesso do que se partir isoladamente dos artistas. A secretária Tina Rocha, salvo engano, já iniciou uma articulação neste sentido com um projeto que permite tanto instituições privadas como pessoas físicas adotarem um bem cultural.

DC: Do ponto de vista de espaços de convivência cultural, qual sua nota pra Conquista?

LA: Estes espaços precisam ser ressignificados. O fechamento do Centro de Cultura, a falta de estrutura do Carlos Jehovah e do Centro Cultural Glauber Rocha, assim como a distância do auditório do CEMAE são exemplos de como nossos equipamentos culturais e de conseqüente convivência cultural estão na sala de emergência. Em contraponto, os agentes culturais arrastam suas barrigas no chão para produzir eventos de qualidade, garantir outros espaços de circulação para o público nos poucos locais privados que apresentam estrutura mínima para seus eventos. Neste contexto, os espaços públicos precisam ser repensados e a situação das praças também precisa entrar na discussão, pois mais parecem cemitérios em nossa cidade. Ocupar estes lugares e devolver-lhes vida é uma reflexão urgente e que precisa ser feita tanto pela gestão municipal quanto pela população. Movimentos como o “Tem Criança na Rua” estão surgindo nesta contramão.

DC: Por fim, quem miseravou Concas?

LA: Fomos todos nós que ficamos parados vendo o município estagnar com seus “shows culturais”, fomos todos nós que deixamos de ir aos movimentos que tentaram discutir políticas públicas, quando não nos juntamos às pessoas que ousaram discutir o campo da cultura local, quando deixamos de ir aos shows e às iniciativas independentes, quando deixamos de pagar o couvert do amigo que estava tocando no bar, quando pedimos cortesias para as festas. Quando cruzamos os braços somos nós que “miseravamos” a cena. É uma reflexão que não procura culpados, mas que tende a analisar o que temos feito pela cultura local e que se encerra como um convite para que retomemos este lugar de debate, de cobrança e de proposição que é nosso, que compõe e fortalece a sociedade civil e que faz dela um agente forte para conquistar qualquer direito. Precisarei do apoio e das vozes de todos vocês, então, avante!