A boca do povo
Foi mesmo! Noé de Denga falou que viu tudo, o coração parou de vez na hora que a última urna foi dada por encerrada e ele não teve nem uma dúzia de votos. Nem falou nada antes de entregar a alma a Deus, só deu um peido e caiu de frente no tapetão do cinema. Foi tão de repente que não deu nem pra apostar em que dia ele ia morrer, como era de costume! Um dia triste, mas Lourival da farmácia falou que o “dotô” disse que se tivesse recebido a notícia de que tinha sido eleito, morreria do mesmo jeito, só que uma vez de tristeza e outra de alegria. Isso eu não posso afirmar, é tudo história desse povo conversador que não gosta de ser citado, antes de contar um fuxico faz questão de frisar: “Não está aqui quem contou”. Mas o fato é que Dr. Arnel bateu as botas ainda novo. Mesmo naquela época, pra um homem “rico”, ele viveu pouco. Morreu com 47 anos, seria como se perdêssemos uma pessoa de 60 e poucos hoje… A vida tá ficando mais bonita, de tão linda se alongou, estamos vivendo mais. Mas para um homem dos anos 1940, quarenta e poucos anos era ser jovem, mas não tão jovem. Um senhor!
Morreu casado, sem filhos, e deixou uma viúva nova e mais jovem do que ele pra gastar a fortuna dos Silva sem ninguém pra se intrometer. O que mais marcou foram os comentários preconceituosos daquela época, os amigos contaram várias versões sobre a morte de um homem rico. Ele falava pouco, não sabiam como foi se “encafifar” com política. Os dois se completavam e ela era 20 anos mais nova, o que pra época também era comum (só para os homens). Mas o fato é que o povo, mesmo não participando em nada da vida do casal apaixonado, comentava sobre eles como se fossem íntimos. E com o comentário do médico, o povo todo começou a supor (inventar) casos que levassem um homem a cair duro no meio da rua. Era como se pra morrer do coração tinha que ter alguma contrariedade. O vizinho do lado direito disse que foi “dor de corno”, já outro disse que foi excesso de sexo, dona Lurdinha era muito fogosa! E depois do boca a boca, a viúva sentiu no velório que ninguém daquela cidade ia entender que seu marido deve ter morrido de alegria, ela nem ia tentar explicar praquele bando de conversador que ficou sabendo que ela estava grávida no mesmo dia que o marido morreu. O homem fez questão que o pré-natal fosse realizado na capital. Aquele povo poderia acreditar em tudo, menos que ela estava grávida do finado. Ela tinha dinheiro pra se mandar daquele lugar e ter seu filho em qualquer parte do mundo, mas não, preferiu se entregar à religião e criar o menino ali mesmo. Não importava o que o povo inventasse, nada iria interferir na criação de seu filho.
Dona Lurdinha passava mais tempo na igreja do que em casa, foi o jeito que encontrou pra repor a falta do marido. Mas as frequentes visitas ao padre eram pra arranjar uma forma de anunciar pra paróquia que quando o finado partiu ela já estava grávida, senão ela, viúva com a barriga crescendo, seria assunto para mil histórias, e todo mundo querendo saber quem é o pai. E ficou decidido que no final da missa de domingo o padre daria a notícia. E foi com muito jeito que o vigário começou falando que tinha perdido um grande amigo, Dr. Arnel, mas que para sua grande alegrai, ficou sabendo que a viúva estava grávida de três meses e blá blá blá…
No outro dia, no bar do sargento, a aposta já era outra: em que mês nasceria o filho do padre???
Hilário o Conto de Nando Costa Lima.Leve solto Nando encanta.
Adorei pois tenho preferências por leituras assim descontraídas de histórias criadas e contadas com humor embutido despertando o sentido alegre da escrita.
Por mais contos assim.