:: ‘Nando da Costa Lima’
Os heróis da infância
* Por Nando da Costa Lima
E há algum tempo atrás, lá na escola Jorge Teixeira, o professor Antônio Moura tava retado com a redação de dois alunos. Aquilo era um pecado, ele pediu pra classe redigir um texto de no mínimo 20 linhas falando quem era o seu herói., ou seja, qual a pessoa que mais influía na sua criação. Foi isso que os alunos não captaram. O professor deveria ter falado que este herói tinha que ser gente. Ainda bem que Leonídio tinha feito uma redação falando que o herói dele era o Super-Homem, quando estava em Conquista, e o Zorro na fazenda. Senão eu ia ficar de castigo sozinho. Sem contar a palmatória, que com certeza seria usada!
A sala toda foi dispensada, só ficou eu e Leonídio. Mas ele tava mais tranquilo, seu pai deu uma vaca leiteira pro professor. Mesmo assim, isso não ia valer muito, Moura tava muito retado. Primeiro deu um sermão de mais de uma hora, falou que a gente devia tomar vergonha na cara, como é que dois jovens vindos de famílias boas não se lembram de falar do pai ou de qualquer outro parente que se destacou como profissional.
– Você, Leonídio, eu até entendo. Você interpretou mal o tema. Quando eu falei “herói” eu não tava falando de super-herói de revista em quadrinhos. Por acaso o Super-Homem já lhe deu algum presente? Já pagou a sua mensalidade escolar? Já fez alguma feira na sua casa? Eu tenho certeza de que ele nunca fez isto para ninguém, e se ele realmente existisse, só ia fazer favor pra americano. Quanto a você, Altamirando, além do castigo você vai ter que escrever mil vezes a frase “Briga de galo foi proibido por Getúlio Vargas”. :: LEIA MAIS »
O Cervidae
Por Nando da Costa Lima
Seu Nelival tava num dia de poucos amigos. Seu poema, que segundo ele era uma “ode à natureza”, foi desclassificado da final do Festival. Ele só não falou que foi censurado novamente porque, como esta prática foi banida do nosso país, ficava chato afirmar que estava sendo vítima desse crime. Mas nós que estamos de fora temos que analisar olhando não só os poemas, como também devemos ver o lado dos organizadores do evento. Pra ser politicamente correto num país incorreto como o Brasil, é difícil, muito difícil! Esse tipo de argumento também é muito vago. Daí quem cria deve ser o seu próprio censor. Basta ter bom senso! Foi baseado nesse argumento que a organização do Festival de Poesia fez a sua defesa, já que sabendo que Nelival, que além de poeta era militar, ia se achar perseguido.
E foi na Câmara de Vereadores que se deu a discussão! Os prós e os contras lotaram o lugar, o povo só vai lá quando sabe que algum canal de TV está gravando. Mas como o tema era polêmico e havia chamado a atenção do país para o festival (o que já foi bom para os organizadores), tava todo mundo lá. Primeiro falou o advogado do secretário de cultura: “Eu não estou aqui para discutir um problema de censura prévia, isto não aconteceu. O acusador foi desclassificado apenas porque seu poema era bem inferior aos que foram pra final”.
Nelival ficou retado com essa afirmativa, aquilo mexeu com sua cabeça. Segundo ele, um poema é como um filho! E este “louvor” à natureza era um presente que ele tinha dado pra humanidade. Ele escreveu elogiando um animal que é quase um símbolo do nosso país continental. O veado é encontrado em todas as regiões do Brasil. Ele só estava querendo alertar para a caça predatória que põe tantas espécies em extinção, já sumiu quase tudo que merece proteção. Ele, como naturalista, só desejava despertar a consciência das pessoas para protegerem o meio ambiente. Pra evitar dúvidas, decidiu ler o poema e deixar a critério dos vereadores o julgamento. Meteu a mão no bolso e tirou um manuscrito do poema tão polêmico. E fazendo cara de “poeta triste”, começou a narrativa: :: LEIA MAIS »
Os atores
Por Nando da Costa Lima
Todo ser humano tem um pouco de ator. Todos nós, em determinados momentos da vida, temos que representar… Independente de profissão e credo. Advogados, médicos, peões, cientistas, todos usam um pouco da dramaturgia para desempenhar melhor o seu papel. Mas quero falar dos atores de verdade, os profissionais, os apaixonados por teatro, cinema, televisão, circo. Eles são incríveis, mesmo quando ainda não famosos. Acho que de tanto emprestarem o corpo a personagens distintos, eles se tornam pessoas mais compreensivas, mais liberais. E é lógico que, por ofício, são necessariamente cultos (ou nem sempre). O ator dá tudo de si para agradar seu público, é claro que quando são elogiados ou ovacionados, parece que transcendem. Tenho para mim que eles usam os aplausos e elogios como um alimento pra alma… Por isso eu os acho diferentes. O ator também tem aquele lado “médium”, é quando ele incorpora um personagem! E não importa que seja anônimo, quando ele assume pra sociedade que é ator, automaticamente passa a ser ator, mesmo que a grande maioria das pessoas acrescente um “pequeno” termo pejorativo: “Aquele ator doido…”, ou “Aquele doido metido a ator”. Infelizmente, tem esses detalhes. Talvez por isso a grande maioria dos atores passa o ofício de pai pra filho, ou mãe pra filha. Porque o único pai que aceita de “primeira” um filho ator é um pai ator… O resto pode até aceitar, mas fica com uma pulga atrás da orelha. E também, numa família de atores, o simples convívio leva os filhos a se interessarem pela carreira dos pais. A maioria dá segmento! :: LEIA MAIS »
A boca do povo
Foi mesmo! Noé de Denga falou que viu tudo, o coração parou de vez na hora que a última urna foi dada por encerrada e ele não teve nem uma dúzia de votos. Nem falou nada antes de entregar a alma a Deus, só deu um peido e caiu de frente no tapetão do cinema. Foi tão de repente que não deu nem pra apostar em que dia ele ia morrer, como era de costume! Um dia triste, mas Lourival da farmácia falou que o “dotô” disse que se tivesse recebido a notícia de que tinha sido eleito, morreria do mesmo jeito, só que uma vez de tristeza e outra de alegria. Isso eu não posso afirmar, é tudo história desse povo conversador que não gosta de ser citado, antes de contar um fuxico faz questão de frisar: “Não está aqui quem contou”. Mas o fato é que Dr. Arnel bateu as botas ainda novo. Mesmo naquela época, pra um homem “rico”, ele viveu pouco. Morreu com 47 anos, seria como se perdêssemos uma pessoa de 60 e poucos hoje… A vida tá ficando mais bonita, de tão linda se alongou, estamos vivendo mais. Mas para um homem dos anos 1940, quarenta e poucos anos era ser jovem, mas não tão jovem. Um senhor!
Morreu casado, sem filhos, e deixou uma viúva nova e mais jovem do que ele pra gastar a fortuna dos Silva sem ninguém pra se intrometer. O que mais marcou foram os comentários preconceituosos daquela época, os amigos contaram várias versões sobre a morte de um homem rico. Ele falava pouco, não sabiam como foi se “encafifar” com política. Os dois se completavam e ela era 20 anos mais nova, o que pra época também era comum (só para os homens). Mas o fato é que o povo, mesmo não participando em nada da vida do casal apaixonado, comentava sobre eles como se fossem íntimos. :: LEIA MAIS »
A Cruz e a Espada
Por Nando da Costa Lima
Na primeira metade do século passado (pelo que eu leio e escuto) os homens eram mais espirituosos, devia ser a maneira de passar o tempo, sem a tecnologia de hoje…
A catedral tava um brinco, as senhoras da cidade fizeram questão de caprichar. Todo ano um grupo de festeiras ficava responsável pela limpeza e decoração da igreja matriz nos festejos de sua santa padroeira. Tinha uma missa na saída da procissão e outra na chegada. Aconteceu que na véspera do dia da padroeira da cidade, um burro de carroça morreu ao lado da catedral. Aquilo causou um incômodo geral, o animal logo começaria a entrar em decomposição e isso causaria grandes transtornos. Se fosse um animal menor, o próprio padre teria resolvido com a ajuda de alguns fiéis. Mas era um burro enorme, ali só um caminhão da prefeitura pra dar um jeito, era só jogar o animal na carroceria e dispensar em algum lugar. Nesses tempos a gente ainda usava o termo “vou jogar no mato”. Tudo que tinha pra ser descartado, em vez de ir pro lixo, ia pro mato. E esse seria o fim do bicho, jogariam o burro no mato e os urubus se encarregariam do resto.
Quando o padre ficou sabendo que o burro já estava fedendo, mandou logo o sacristão ir ao encontro do prefeito, que apesar de ser seu adversário político, era o único que poderia dar uma solução para o problema (O sargento iria se sentir ofendido se o padre lhe pedisse auxílio, um revolucionário prendedor de integralista não ia enterrar burro para padre). A festa da padroeira era motivo de orgulho para toda a cidade, principalmente para o prefeito. Só que ele, famoso pelo senso de humor, recebeu o sacristão, ouviu o recado do padre e enviou um bilhete como resposta, sem perder a piada. O padre quase morre de raiva ao abrir o bilhete: :: LEIA MAIS »
Marieta da Esquerda (cordel)
Marieta era mineira
Fez direito em Teófilo Otoni
Na época da repressão
O pai foi torturador,
a mãe muitos dedurou
tinha um tio que era espião
Marieta era direita
Tomou gosto pela esquerda
Depois de ter apanhado
Do soldado Valdemar
Que era marido dela
Antes do cabo Vavá
que também largou a tempo
por gostar de maltratar,
era mal de militar.
Marieta depois disso
Tomou raiva da direita
Comprou uma boina do “tchê”
Decorou O Capital
E foi pra a cama com Gabeira
Antes dele esverdear
Ela era radical
Só dava pra intelectual
Guerrilheiro e agitador
Só pra proteger a causa
Trepou com muito “dotô”
Mas depois da abertura
Marieta sossegou
Só ficou a paranóia
que sempre à acompanhou
Não permite militar
no puteiro que montou.
Nando da Costa Lima
Na batida do Olodum
por Nando da Costa Lima
Esse causo ocorreu quando Conquista ainda tinha Micareta… Por sinal a melhor da Bahia. Mas tudo tem seu tempo. Agora nosso carnaval está voltando de uma maneira gostosamente conquistense. “Um pierrot apaixonado que vivia só cantando…”
Olavo não estava acostumado com esse negócio de Micareta, foi criado numa cidade do interior de Minas onde só se tinha notícia do Carnaval pela TV. Era filho único do suplente de deputado José Nôzim da Silva e tinham muito em comum, mas a parte que eles mais se pareciam era na ignorância, eram daqueles que achavam que tudo era coisa de “viado”. Seu Nôzim chegou a mandar arrancar a orelha de um sobrinho que morava em “Sompaulo” só porque o rapaz usava brinco. Segundo ele, em terra que Nôzim pisava homem não usava brinco nem amarrava cabelo pra trás. O filho não fazia por menos, andava com um tesourão de tosar égua só pra aparar os cabelos dos cabeludos safados. Pai e filho eram idênticos fisicamente, ambos beiravam os dois metros e tinham orgulho de serem os únicos capazes de derrubar um bode com um soco. Eram realmente duas prensas, o símbolo de virilidade de Corgão Fundo! Todo menino queria crescer logo pra poder ficar forte como Olavão e muitas mulheres já tinham tentado o suicídio por causa daquele “homão”.
Evite Assombrações
Por Nando da Costa Lima
Eu vinha do boteco para casa, pra não passar pelo matagal do açude, resolvi pegar um atalho pelo quintal da viúva do Capitão Zé Antônio. Foi aí que uma “aparição” achou de atravessar o meu caminho. Eu tava com muita pressa, mas a ‘bicha’ não me deixou dar mais um passo, fiquei paralisado. Quando vi aquela mulherona alta, a força da cachaça não deixou de atiçar meu fogo, mesmo sabendo que era uma assombração! Tava toda de branco, parecia uma noiva flutuando na escuridão, só dava para ver porque a roupa era branca. Mesmo assim deu para sentir que a danada estava de olho em mim, e era olhar de mulher apaixonada! Carente!… Não deu para resistir, depois de dois litros de pinga ruim temperada com qualquer coisa, até assombração fica sexy. Segurei a “noiva assombrada” pela cintura e mandei ver. A má qualidade da bebida atrapalhou meu desempenho, só consegui dar meia, nem dá pra falar que aquilo foi uma! O esforço fez a pinga melhorar, o medo encostou e eu dei carreira que só parei em casa, amarelo e suando frio!
Ao Pastor de Estrelas
Por Nando da Costa Lima
Vejo a vida como um imenso carnaval. Desde que haja entusiasmo, não é preciso muita habilidade para entrar no ritmo. Os menos habilidosos nascem e morrem, só vivem! Os mais habilidosos continuam vivos mesmos depois da partida, são os pés de vailsa da vida, os que participam desse carnaval com tanta harmonia que acabam marcando, pessoas como Íris Geraldo Silveira, o pastor de estrelas, um homem que em 1933 já fazia jornalismo e poesia numa cidade que até hoje não assimila bem este tipo de coisa. Seu Íris era poesia vinte e quatro horas por dia, sua figura era a poesia materializada. Mas venho falar do contador de “causos” Íris Silveira, aquele que se sentia bem em fazer rir, e isto ele conseguia facilmente com histórias bem humoradas como esta que eu ainda menino escutei na casa do também jornalista e historiador Aníbal Lopes Viana.
E ele nunca mais fez gol… (Ficção)
Por Nando da Costa Lima
E João Carne Seca, o “Canhotinha de Ouro”, que batia falta como ninguém e não perdia um gol do meio de campo pra frente nunca mais irá sair de campo carregado pela torcida… Foi operar de fimose e, não se sabe porque, amputaram seu pé esquerdo. Erro médico, errar é humano (Quem inventou esse ditado popular deve ter sido a mãe de um médico). Foi aí que Pedrão “Três Bago” (irmão de “Carne Seca”) ficou puto e desabafou:“Também, a gente entra num hospital e encontra um cidadão com roupa de médico, pose de médico, estetoscópio pendurado no pescoço, as enfermeiras bonitas chamando o sacana de doutor, a gente acaba botando fé. Só que de médico ele não tem porra nenhuma, a não ser o diploma conseguido sabe-se lá como. Daí o time perde o melhor ponta esquerda da região e fica por isso mesmo. Médico uma porra!”. :: LEIA MAIS »