0FDE6EB5-438A-4E4F-B5AD-6B0C824FC4E3

Por Marco Jardim

Diante do firmamento, das estrelas da alvorada, faço-me genuíno.

Uma pureza, que, no fundo, significa a de ser eu mesmo, sem muitas adulterações.

Sinto-me bem no microcosmo que me cabe viver.

Vivo em vigília, na memória de vento dos jardins que insisto em tecer.

Cultivo as estranhas contribuições do tempo, os sonhos e os esquecimentos.

A deslembrança de tudo que parece erva daninha ao espírito.

E lavro a admiração pelas coisas que me fazem bem: os aromas inefáveis e repentinos; os abismos de céu por entre frestas de folhagens das amendoeiras; o bafejo que sopra das imperiais palmeiras.

Na verdade é tudo, ao mesmo tempo, tão fronteiriço e tão além das raízes, da campina luzeira.

Na aleia das buganvílias, eu me desarmo e me apaixono.

Sinto o pensamento livre, a brisa, os olhos semicerrados, as borboletas amarelas perto das pedras dos córregos que, de algum modo, rompem para o mar.

Nem o que se apresenta humano me parece inusitado.

Salto as pedras, desvio dos gansos, apanho rosas cor de carne, observo os morcegos beliscando as águas e, no banco próximo ao lago, um rapaz em tom de magma olha para mim.

Estas são as pequenas mágicas da praça solitária, tão pouco examinadas.

Lugar de matos verdes, heras, trepadeiras às sombras de troncos e muros.

Espaços-sínteses de memórias, de casarões que sobejaram para testemunhar os becos estreitos.

O da Sabina, o da Tesoura, o da Batalha.

As estradas da Muranga, do Periperi, da Boiada.

Reduto de natureza viva e morta dentro d’alma.

Vejo um moço formoso, portador de alguma perda (gosto da cor dos olhos e de sua magra diversão), um outro próximo ao anoitecer e, mais adiante, junto a um pequeno arbusto de pau-brasil, o elo entre passado e presente.

Reparo os túmulos vermelhos, os desaparecidos, as lápides e os lírios fincados.

Caminho pela Rua Grande, pelo passeio do cinema silenciado.

Pela infância da 7 de Setembro, o choro artesanal da Piedade, o velho açude, as preces da Várzea e da Matriz, até a ladeira da Lisboa e a do rio soterrado.

Tudo mais é saudade, é som de pássaro, tapete mágico nessa aleia de amplidão.

E se, por breve instante, penso que a alvorada findou, salto uma cerca, recosto no caule de um flamboyant e cravo meu próprio jardim.

Nas mãos, as flores.

Pontos cianótipos de cores cintilando na madrugada preta.

Homenagem à Praça Tancredo Neves sob o olhar da madrugada