nando da costa limaPor Nando da Costa Lima

Antes da televisão colocar o Brasil todo pra se comportar e vestir igual, as famílias eram fechadíssimas. O patriarca, por mais safado que fosse, mantinha o moral de pai de família exemplar, educava os filhos com a maior rigidez. As moças da época passavam aperto, “se perder” naquele tempo, era a pior das aventuras, eram expulsas de casa restando-lhes como opção de sobrevivência, a prostituição. Os sedutores, ou fugiam pra São Paulo ou morriam. Mas nem por isso as coisas deixavam de acontecer, e pra que não houvesse expulsão de casa, nem morte dos Don Juan, eram inventadas as desculpas mais descaradas. Na maioria dos povoados, as moças quando pulavam a cerca, colocavam a culpa no tarado, isto livrava a cara de muita donzela assanhada, era só falar que o autor da proeza tinha sido um tarado que a família além de ficar com pena, mandava logo a moça ir estudar no Rio, lá o povo era mais aberto. Aqui em Conquista a culpa sempre era do tarado que se escondia no matinho da Escola Normal. Este, por sinal, nunca foi encontrado.

Esta história do tarado só colava num lugar de movimento, em Pedra Cinza, uma cidade pequena e de gente ordeira, não dava pra jogar a culpa no tarado, lá só tinha homem respeitador. Para as moças, aquilo era péssimo, era tão ruim, que elas só casavam virgens. Isso até aparecer Joana, foi ela a primeira a dar o golpe. Engraçou-se com Pedro do açougue, e acabaram indo ver o por do sol no muro do açude, gostaram tanto, que ficaram pra ver o sol nascer. No outro dia chegou em casa aos prantos, chorou o dia todo, o pai notou que tinha alguma coisa errada e mandou a mulher investigar. Foi aí que começou a história do lobisomem, Joana, acostumada a escutar caso de assombração desde criança, quando se viu perdida no interrogatório da mãe, largou: “foi um lobisomem, me pegou lá no muro do açude”. A mãe tomou um susto, mas mesmo assustada continuou: “Como lobisomem? Você não tem um arranhão. Só chupão no pescoço, este lobisomem era banguela?”. Mas Joana bateu pé firme e contou todos os detalhes para a mãe, a velha, como profunda conhecedora de aparição, matou logo a charada: era um lobisomem tarado, só pensava em sexo. Desse dia em diante, o lobisomem todo mês dava notícia. Já tinha mais de 15 moças morando no Rio. E ele era eclético, pegava qualquer uma, independente de raça, cor, religião ou idade.

Quando Dolores Armengue ficou sabendo do lobisomem insaciável, não perdeu tempo; mudou-se pra Pedra Cinza. Ela era uma das pessoas mais desprovidas de beleza que já pisou na terra; ninguém encarava. Já tinha rodado o país inteiro atrás de um tarado; era só saber que tinha algum atacando, que ela fazia de tudo pra ser uma das vítimas, só que ninguém encarava. Já era conhecida por “Dolores espanta tarado”; era tão feia, que só dava pra localizar o rosto, graças aos óculos fundo de garrafa. Mas dessa vez, tudo indicava que seu sonho viraria realidade; 45 anos de virgindade, botava qualquer uma pra babar na fronha. Quando soube que o lugar preferido do lobisomem era o murinho do açude, armou barraca lá mesmo. Os dias iam passando, e nada de lobisomem aparecer, ela já tava pra endoidar. Numa noite de lua, aconteceu; o povo da cidade só escutava os gritos e os gemidos, parecia que daquela vez tinha dado certo, tudo indicava que ela havia agarrado o lobisomem. Dolores foi embora no outro dia. Quase ninguém a viu partir, mas os poucos que viram, notaram que apesar de toda arranhada e com marcas de dente pelo corpo todo, seu jeito era de pura satisfação; tava na cara que tinha conseguido o que mais queria.

O povo da cidade que ficou divido: os mais velhos, até hoje acreditam que ela manteve relações com o lobisomem. Os mais novos, que inventaram a história, ficaram sem entender, nunca iriam imaginar que aquilo se tornaria realidade. Mas quem não entendeu nada, e até hoje não pode ver uma saia que sai correndo, além de nunca mais caçar pros lados do açude, foi o cachorro perdigueiro de seu Pedro, aquela tarada quase mata o bichinho, perdeu até o faro…